Wagner Moura espera ódio da direita e crítica da esquerda ao seu 'Marighella'

Estreando na direção, Wagner Moura roda filme de ação orçado em R$ 10 mi sobre o guerrilheiro

Seu Jorge, que faz o personagem-título, e o diretor Wagner Moura no set de 'Marighella'
Seu Jorge, que faz o personagem-título, e o diretor Wagner Moura no set de 'Marighella' - Ariela Bueno/Divulgação
Guilherme Genestreti
São Paulo

Poucos dias atrás, conta Wagner Moura, a equipe de produção do filme "Marighella" recebeu um alerta. Pelas redes sociais, um grupo ameaçava invadir o set do longa que ele dirige sobre o mais famoso guerrilheiro que lutou contra a ditadura militar.

"Mas o que aconteceu foi bonito", diz o diretor estreante. "Vieram 15 jovens da frente antifascista para proteger a gente. Esse é o pior e o melhor momento para fazer um filme sobre Marighella."

Sob o calor de polarização tão aguda, uma preocupação indisfarçável ronda a produção. E Wagner Moura não esconde que esse é um filme "que tem lado". "Queria lançar antes das eleições, mas não vai ficar pronto a tempo."

A Folha acompanhou as gravações no último domingo (28), numa rua interditada nas adjacências da 25 de Março, na capital paulista.

Preenchido por kombis e fuscas, o trecho é cenário de uma fuga ensaiada repetidas vezes noite adentro. Dois militantes abandonam uma célula desbaratada e trocam tiros com a polícia. O som dos disparos é alto. O operador de câmera corre atrás deles, com o equipamento na mão, numa cena que remete ao cambaleio de "Tropa de Elite".

Sob a pele de Seu Jorge, Marighella surge e aponta o revólver para um motorista desavisado. O diretor dá ao ator as instruções. "Tem que botar pressão no carro". Moura sobe a voz para mostrar o tom do que deseja: "Para o carro e aí vira, bang, bang, bang, e atira nos policiais".

A cena entrega que se tratará de uma obra de ação. "É porque quero um filme que popularize a história dele e traga um exemplo de resistência, sobretudo para jovens negros", afirma o realizador.

Até por isso, Moura diz ter escolhido um ator "mais preto" do que de fato foi o personagem-título. O da vida real era filho de uma baiana descendente de escravos e de um ferreiro italiano. "Mas para mim, ele é um herói negro."

SACRIFÍCIO

Essa é uma das licenças da produção orçada em R$ 10 milhões da O2 Filmes, cofundada por Fernando Meirelles.

"Estou preparado para ser odiado pela direita e criticado pela esquerda." O diretor diz achar inspiração em José Padilha, com quem trabalhou em "Tropa de Elite", para fazer um "cinema popular, mas potente e com linguagem."

Situado em algum lugar entre a hagiografia da esquerda e a demonização da direita, o guerrilheiro baiano Carlos Marighella teve uma vida que renderia vários filmes.

Ele comandou greve, foi detido por escrever poemas políticos, viveu as sucessivas proscrições do Partido Comunista Brasileiro, levou tiro da polícia num cinema cheio de crianças e criou o grupo de guerrilha urbana ALN (Ação Libertadora Nacional), que participou do sequestro ao embaixador americano Charles Elbrick em troca da libertação de presos políticos.

Também enviou cartas a Fidel, escreveu manual de guerrilha que inspirou os Panteras Negras e virou letra de música de Caetano Veloso.

A sua morte, em 1969, numa operação comandada pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, é um dos marcos do fim da guerrilha urbana. No local em que foi alvejado, na alameda Casa Branca, em São Paulo, hoje existe um marco de pedra na calçada, cercado por prédios de alto padrão.

Do catatau biográfico de mais de 700 páginas escrito pelo jornalista Mário Magalhães, uma das fontes do roteiro, o diretor decidiu enfocar seus cinco últimos anos.

"É o melhor recorte para falar do tema do sacrifício", defende Moura, que acalentava o projeto desde 2012. De lá para cá, houve um impeachment no meio e ele diz que "o Brasil mudou para pior". Ao tema do sacrifício, então, ele somou o da resistência.

'À ESQUERDA DE LULA'

Na mesma semana em que Moura rodava cenas da cinebiografia do guerrilheiro que escreveu o manifesto "Por que Resisti à Prisão", a sentença contra Lula era confirmada em segunda instância. Ele se diz "chocado" com os paralelos entre os períodos.

"Sempre achei boba a defesa cega que se faz do PT. Mas negar a Lula o direito de se candidatar é compactuar com o golpe", afirma o ator e diretor, que se define como "à esquerda" do ex-presidente e da "política de conciliação que o elegeu e o derrubou".

Moura espera que Lula seja candidato nas eleições, mas não quer votar nele, salvo "num segundo turno contra um golpista". "A esquerda tem é que se reinventar, apresentar um novo projeto."

No ano passado, Moura esteve em atos por eleições diretas, assinou o manifesto Brasil Nação contra o "desmonte do país", participou de campanha em prol da Lei do Audiovisual e, num vídeo produzido pelo MTST, chama a reforma da Previdência de "projeto que interessa apenas aos donos do dinheiro".

Em seu site de notícias, o grupo MBL faz campanha: "Pede pra sair, Wagner Moura" e chama de "escândalo" que seu filme sobre o "terrorista Marighella" tenha sido autorizado a captar os R$ 10 milhões por leis de incentivo.
"Os primeiros ataques sempre vêm contra os artistas, porque o nosso material é a política", responde Moura.

Arte e política estão densamente imbricadas na obra. Salvo Marighella, os outros personagens militantes têm os nomes dos próprios atores que os interpretam. "Eles querem assinar o que estão dizendo. É uma galera engajada. Não tem nenhum coxa."

Segmentações à parte, Moura diz esperar como resultado uma obra além da dicotomia sucesso artístico versus sucesso comercial. "Nunca fui fã da ideia do artista como um sujeito especial, que faz coisas que só poucos entendem. Acho caído isso."

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