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Ao escrever sobre o céu, revolucionário influenciou literatura

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A ETERNIDADE PELOS ASTROS

  • Autoria Louis-Auguste Blanqui
  • Editora Cultura e Barbárie
  • Tradutor Takashi Wakamatsu


Forte de Taureau
Forte de Taureau, onde foi redigido 'A Eternidade pelos Astros' - Reprodução

Redigido na prisão do forte de Taureau, pequeno ponto perdido na baía de Molaix, na Bretanha, o breve e visionário "A Eternidade pelos Astros", escrito pelo "eterno conspirador" Louis-Auguste Blanqui (1805-1881), está acessível agora ao leitor brasileiro, em edição da Cultura e Barbárie, com tradução de Takashi Wakamatsu e prefácio de Jacques Rancière.

Essa obra breve, estranha e fecunda foi escrita em 1871, quando Blanqui cumpria pena por insurgir-se contra a monarquia. De sua cela não podia vislumbrar o mar que o circundava, mas é provável que conseguisse observar as estrelas.

Referência tanto para a literatura moderna quanto para o pensamento político de esquerda, e de maneira particular para o socialismo francês, Blanqui opunha-se ao imperativo do progresso contínuo e ao positivismo como ideologia dominante.

O livro é fruto do que C. S. Peirce chamou de "interioridade inspirada", mas o céu e os astros de que trata já não são mais regidos pela escatologia, tampouco a eternidade de que fala seria uma temporalidade sem saída, enclausurada em si mesma, geradora de conformismo.

Ao contrário, sua hipótese astronômica é a da existência de "choques ressuscitadores" capazes de reacender astros já extintos.

Quando fala de cometas, emprega termos militares; daí que esse choque revivificador seja visto como confronto entre os corpos celestes. Não é uma alegoria da revolução, mas uma imagem cuja lógica se baseia numa hipótese favorável à energia revolucionária entendida como renovação.

Adepto da revolução armada e da tática de putsch, apesar das divergências, foi reconhecido por Marx como um dos corações do partido proletário francês.

Admirado por Nietzsche, que nele se inspira para elaborar a teoria do eterno retorno, e por Walter Benjamin, para quem representou o grande terremoto do pensamento do século 19, seu livro também teve papel determinante na literatura de Borges e Bioy Casares.

Estes viram no uso original que Blanqui faz do clínamen —termo cunhado por Lucrécio para descrever os desvios sofridos pelos átomos— um dispositivo a ser explorado pela literatura.

O jardim borgiano dos caminhos que se bifurcam, assim como "A Invenção de Morel", de Bioy Casares, dão testemunho da fecundidade desse texto no plano literário.

Segundo suas teses, o universo infinito é feito de vários planetas Terra sósias, com sósias de nós mesmos. Não há progresso nem comunicação entre esses planetas, apenas a multiplicação ao infinito de situações que se repetem —como Sade, Blanqui não cai na tentação de formular uma teoria edificante.

Tudo isso que parece preparar terreno para o desespero desolador conduz, na verdade, à libertação da crença na história —e na história como fonte de aprendizagem do mundo—, e a uma virada surpreendente na noção de repetição. A repetição que observa na vida dos astros não é motivo de resignação; sua descrição mostra a força do choque regenerador que coloca uma repetição contra a outra no momento decisivo.

As opressões também se repetirão, o horizonte aberto por Blanqui não se restringe mais ao binarismo entre a resignação e as ilusões do progresso social.

Ao abandonar noções de acumulação e linearidade, Blanqui cria uma bifurcação prodigiosa, uma hipótese que injeta energia nos vencidos.

Daí sua importância também para nós hoje, neste século em que, como escreveu Daniel Bensaïd— outro grande admirador de Blanqui— o horizonte parece limitado à gestão prosaica de um presente sem futuro.

LAURA ERBER é escritora e professora do departamento de teoria de teatro da Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro).

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