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Berlim premia mulheres e faz manifesto em prol do cinema

"Touch Me Not" foi melhor filme do festival

Guilherme Genestreti
Berlim
A diretora romena Adina Pintilie levou o Urso de Ouro e o prêmio de melhor estreante - Fabrizio Bensch/Reuters

Transexuais, aleijados, mulheres de meia-idade, homens sem nenhum pelo e outras figuras raramente escaladas para se desnudarem em cena exibem toda a pele de seus corpos no filme "Touch Me Not", misto de ficção e documentário que levou o Urso de Ouro no sábado (24).

Ao escolher a obra da estreante romena Adina Pintilie como o melhor filme do Festival de Berlim, o júri comandado pelo diretor alemão Tom Tykwer propõe uma série de "statements".

O primeiro vai ao encontro da proposta da diretora, que desafia o espectador em sua concepção do que é atraente. Ciente de que seu filme despertou reações mistas, ela o definiu como um "espelho" ao receber o prêmio.

"Cada um vai reagir de alguma forma", disse. E emendou com uma mensagem surrada que coroou o perfil politizado do festival: "Diálogo é o que falta nesse mundo em que cada vez mais se tem medo do outro. O filme é um convite à empatia".

Nenhuma das pessoas retratadas em "Touch Me Not" resume tão bem essa ideia quanto Christian Bayerlein, homem deformado por alguma condição genética, de dentes sobressalentes e braços atrofiados, que fica totalmente nu em cena.

Misto de ficção e documentário, o longa mal tem um roteiro. É mais um experimento em que atores e não atores expõem os limites da própria intimidade.

"Me Too"

Outra questão que o júri deixou clara foi sua disposição em premiar uma diretora mulher na esteira de uma edição que foi contagiada pelo movimento "Me Too".

A mostra chegou, inclusive, a ser bombardeada por ter escalado um filme do diretor sul-coreano Kim Ki-duk, que enfrenta acusações de assédio em seu país.

Não só Pintilie, que também ganhou o prêmio de melhor estreante, mas outras mulheres saíram consagradas: o Grande Prêmio do Júri, foi para a polonesa Malgorzata Szumowska e seu "Mug", assim como os de melhor documentário ("Waldheims Walzer", da austríaca Rith Beckermann) e melhor curta ("The Men Behind the Wall", da israelense Ines Moldavsky).

Filme com elenco completamente feminino, o paraguaio "Las Herederas" —coprodução com o Brasil-- ganhou não só o prêmio de melhor atriz (Ana Brun) como o destinado a obras que abrem novas perspectivas.

Para o cinema brasileiro, aliás, o saldo foi positivo: houve um total de dez prêmios, se também forem considerados os de "Las Herederas".

O destaque ficou com documentários e produções LGBT. "Tinta Bruta" levou dois prêmios, incluindo o de melhor ficção "queer", e "O Processo", sobre o impeachment de Dilma, ficou em terceiro lugar na escolha do público como melhor documentário.

Por fim, a decisão do júri por premiar "Touch Me Not" também é um manifesto em favor da sala escura em tempos em que ela é ameaçada por Netflix e afins. Entre obras de Gus Van Sant e Wes Anderson, o longa romeno é o título menos comercial de toda a mostra competitiva.

Experimental, muitas vezes desagradável de se ver, ele não cabe em nenhum algoritmo desses por trás das recomendações para se assistir no conforto do sofá.

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