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Box de sinfonias de Villa-Lobos cobre lacuna da fase madura do artista

Partituras foram revisadas e gravadas com regência de Isaac Karabtchevsky

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São Paulo

Sinfonias de Villa-Lobos

  • Preço R$ 90 (box com 6 CDs)
  • Artistas Osesp dirigida por Isaac Karabtchevsky
  • Lançamentos Naxos

A Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo acaba de lançar um pacote de seis CDs que promete mexer na recepção e fortuna crítica da obra de Villa-Lobos (1887-1959): são as quase desconhecidas 11 sinfonias, cujas partituras foram submetidas a uma revisão minuciosa antes de serem gravadas com regência de Isaac Karabtchevsky.

Villa-Lobos em ação como regente, em Paris, em foto sem data - AFP

O trabalho durou sete anos e talvez seja o principal acontecimento fonográfico ligado ao compositor carioca desde "Villa-Lobos par Lui-même", uma caixa de 1991 —também com seis discos— que agrupava gravações regidas pelo músico em Paris no final da vida.

Para marcar o momento, a orquestra realiza o festival "Viva Villa!", uma pré-temporada totalmente gratuita na Sala São Paulo de 20 a 25 de fevereiro.

Mas por que as sinfonias caíram no esquecimento?

Afinal, a "Sinfonia nº 7" foi estreada pela Sinfônica de Londres; a nº 8 no Carnegie Hall de Nova York com a Orquestra de Filadélfia; a nº 11 pela Sinfônica de Boston; e a nº 12 pela Sinfônica Nacional de Washington, todas orquestras de alto nível e prestígio.

A qualidade ruim do material orquestral —que continha centenas de erros— foi, em parte, responsável, pois, sem edição confiável (e disponível) não se tocam nem se gravam obras, o que por sua vez contamina a avaliação crítica.

Karabtchevsky envolveu-se pessoalmente no projeto de edição junto ao Centro de Documentação Musical da Osesp (coordenado por Antonio Carlos Neves Pinto).

Aos 83 anos, conclui o ciclo com vitalidade invejável: todas as obras foram "testadas" seguidamente em apresentações públicas antes dos registros fonográficos.

LACUNAS


Os ciclos de obras mais conhecidos de Villa-Lobos sempre foram o dos 12 "Choros" (escritos durante a década de 1920) e o das 9 "Bachianas Brasileiras" (1930-45), ambos gravados pela Osesp na primeira década do século 21.

Integrar as sinfonias a esse desenho ajuda a preencher uma lacuna na compreensão da trajetória do autor, já que as de nº 1 a nº 4 foram escritas no fim da década de 1910 (antes dos "Choros"), enquanto que as de nº 6 a nº 12 surgiram nos anos 1940-50 (depois das "Bachianas").

A "Sinfonia nº 5" é ela mesma uma lacuna, já que nunca foi encontrada nem estreada; provavelmente foi um dos inúmeros projetos não concluídos pelo autor.

Antes do box da Osesp havia uma única edição disponível dessas obras, em interpretação da Orquestra Sinfônica da Rádio de Stuttgart dirigida pelo norte-americano Carl St. Clair, também um apaixonado pela obra de Heitor Villa-Lobos.

Se comparamos sua versão da "Sinfonia nº 2" com a recém-lançada pela Osesp, notamos —a despeito de qualidades expressivas e sonoras— mais transparência e melhor afinação na orquestra brasileira. Isso se percebe sobretudo nas recorrentes sequências de tercinas e semicolcheias rápidas nas cordas, que explodem virtuosisticamente do grave ao agudo.

Karabtchevsky toma tempos mais ágeis em todos os movimentos, e dá para sentir no som --articulações, separação entre camadas, brilho dos metais-- a importância que o longo tempo de preparação e maturação teve para que a Osesp pudesse atingir tal clareza.

Essa "Sinfonia nº 2" —supostamente escrita em 1917, mas desenvolvida pelo autor para uma estreia tardia, em 1944— é uma das candidatas a ocuparem um espaço no repertório internacional.

Outras postulantes são a nº 6 "Sobre a Linha das Montanhas" (1944) --que será tocada no próximo dia 22-- e a epigramática nº 11 (1955).

A nº 10, de 1952, que tem registro empolgante na gravação da Osesp, é um caso à parte, uma vez que pressupõe coro e solistas.

Quem escuta as sinfonias vê um Villa-Lobos diferente, menos preso aos temas brasileiros, menos exótico, mais intelectualizado, mais denso.

O discurso sinfônico se torna busca por universalidade, para além das amarras dos manifestos locais.

Embora as obras mantenham predominantemente a estrutura regular do gênero (em quatro movimentos, com seções mais rápidas no início e no fim, um movimento lento e um "scherzo" no estilo de Beethoven), seria superficial e inócuo rotulá-las, como é comum, de "neoclássicas".

Não há nenhuma acomodação no uso que o compositor faz do gênero sinfônico: suas especulações harmônicas, soluções orquestrais, encurtamentos abruptos que precipitam a forma e interrupções calculadas são próprias a um artista de extrema autoconfiança e independência.

É o que o musicólogo José Ivo da Silva chamou de "vigor criativo", uma referência à fase final do compositor —a menos estudada e, até aqui, menos reconhecida.

Quando veio do Rio de Janeiro para a Semana de 22, Villa-Lobos já tinha 35 anos; completou o ciclo dos "Choros" aos 40, e as "Bachianas Brasileiras" com quase 60. Suas principais sinfonias foram escritas a partir daí —ele morreu aos 72 anos.

Ao romper um círculo vicioso, a caixa da Osesp permite ao Brasil se apropriar pela primeira vez desse legado e —maturado— devolvê-lo ao mundo que o viu nascer.

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