Descrição de chapéu festival de berlim

Festival de Berlim intensifica sua tradicional politização

Imediatismo é novo elemento da mostra que começa nesta quinta (15)

Guilherme Genestreti
Berlim
Cena do filme 'Generation Wealth', em exibição no Festival de Berlim
Cena do filme "Generation Wealth", em exibição no Festival de Berlim - Lauren Greenfield/Divulgação

Ao norte do Equador: concentração de riqueza, terrorismo, crise migratória. Ao sul, processos de impeachment, massacre dos nativos e ascensão neopentecostal.

Uma das mais tradicionais mostras de cinema do calendário, o Festival de Berlim começa nesta quinta (15) acrescentando um elemento que vai além da sua tradicional politização: o imediatismo.

Essa urgência move o drama "Utøya 22. Juli", que reconstitui o massacre de 69 estudantes noruegueses em 2011 para tratar da ascensão da extrema direita na Europa.

O filipino Lav Diaz também disputa o Urso de Ouro, com "Season of the Devil". Nessa "opera rock" sobre os traumas do autoritarismo em seu país, o que parece vir à tona são alusões à linha dura do governo Rodrigo Duterte.

Descrito como "investigação sobre as patologias que produziram a sociedade mais rica da história", o documentário "Generation Wealth" consolida o trabalho de mais de duas décadas da fotógrafa americana Lauren Greenfield, especializada em registrar a vida opulenta de milionários.

Embora a urgência marque a 68ª edição dessa mostra de cinema, também há espaço para títulos mais atemporais.

O americano Gus Van Sant conta a história de um jovem que fica tetraplégico após um acidente em "Don't  Worry, He  Won't  Get  Far on  Foot". Seu conterrâneo Wes Anderson quer encher a sala de latidos com a animação "Ilha de Cachorros". E o francês Benoît Jacquot escala Isabelle Huppert na trama sobre dependência emocional de "Eva".

BRASIL URGENTE

Representado por sete longas, o Brasil pende mais para o lado do cinema urgente.

Em seção paralela à competição principal, a brasiliense Maria Augusta Ramos exibe "O Processo", fruto primevo de uma leva de documentários sobre o impeachment.

Em 2016, a diretora circulou por Brasília acompanhando os bastidores do flá-flu em torno da queda de Dilma. Como em suas obras, o filme não é escorado em entrevistas ou comentários; só observação.

"Isso não significa que seja um filme imparcial. Ele tem a minha visão sobre aquilo", afirma a documentarista, que busca aprofundar seu olhar sobre o "teatro da justiça". O título do filme, que alude à obra de Franz Kafka, não é por acaso. "[O impeachment] Foi kafkiano, sim", diz ela.

Trauma político similar levou o diretor paraguaio Marcelo Martinessi a rodar "Las Herederas" (as herdeiras), uma coprodução com o Brasil que está na competição principal do festival. Sob a chave da ficção, o seu filme absorve os ecos da deposição de Fernando Lugo da presidência do Paraguai, em 2012.

O ocaso é pano de fundo da história de uma mulher abastada que é forçada a circular entre os dois lados polos da sociedade de seu país.

"Com o golpe, fiquei mais consciente do que está acontecendo no Paraguai, da condução do poder e da indiferença das classes acomodadas", diz o cineasta à Folha.

Ele crê que a profusão em Berlim de obras sobre as crises políticas na América do Sul possa ajudar a refletir sobre a "nossa história recente, que ao menos para mim ainda é indecifrável", afirma.

Já o diretor paulista Luiz Bolognesi ("Uma História de Amor e Fúria") deve aproveitar a voltagem política da mostra alemã para ler um manifesto assinado por lideranças indígenas.

"Ex-Pajé", seu documentário, mostra os conflitos internos de um ex-xamã amazônico convertido por um pastor evangélico.

O cearense Karim  Aïnouz ("Madame Satã") também retira do presente imediato o substrato para seu "Aeroporto Central". O documentário nasceu quando o diretor, residente em Berlim, passou a ver o noticiário local inundado de imagens sobre refugiados chegando na Alemanha. Seu filme aborda a vida dentro de um aeroporto berlinense que lhes serve de abrigo.

Esta será a última edição do festival capitaneada por Dieter Kosslick, que, a partir de 2001, imprimiu cara politizada à mostra, em oposição a congêneres mais pop, como Cannes e Veneza. Alguns sinais de distensão já se notam, como a presença de um novo jogador (a Amazon Studios, por trás do filme de Gus Van Sant) e de séries como "The Looming Tower".

Como perspectiva, Kosslick diz ver como um dos principais desafios da mostra "manter o amor pelo cinema" na era do streaming. "A experiência cinematográfica está sendo desafiada", diz à Folha. "Mas a experiência compartilhada da sala de cinema ainda é central para um festival."

O jornalista GUILHERME GENESTRETI se hospeda a convite do Festival de Berlim

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