Descrição de chapéu
Artes Cênicas teatro

Fraca, 'A Mulher de Bath' faz discurso falsamente progressista

Peça com Maitê Proença reforça preconceitos

Paulo Bio Toledo
São Paulo

Quando começa o espetáculo, a atriz Maitê Proença entra sem alarde, se alonga no palco e começa a conversar livremente com o público.

Fala sobre Geoffrey Chaucer, explica o contexto no qual se passa o conto "A Mulher de Bath", de autoria do britânico, e busca algumas correlações entre o tempo da obra (publicada no fim do século 14) e o presente.

São palavras vivas e movimentos simples organizando uma cena próxima daquilo que o diretor Amir Haddad espera dessa velha arte:

O teatro que abandona o teatro para saber finalmente o que é isto: o teatro.

Tal apresentação, contudo, não dura mais do que cinco minutos. De repente, a atriz respira fundo e convida todos para o início do espetáculo. E então vemos o oposto do que se anunciou nesse prólogo.

A conversa franca com o público dá lugar a uma atuação kitsch e irrefletida. Maitê passa a interpretar com ênfases injustificáveis, gestos e marcações sem sentido e uma demonstração de emoções.

A cena é preenchida por um discurso autômato no qual importa pouco se ela fala de um espancamento ou de ardis sexuais, pois tudo soa mais ou menos igual.

Com a escolha do texto de Chaucer, parte de Os Contos de Cantuária, do escritor e filósofo, o espetáculo pretende participar do debate atual sobre o espaço da mulher na sociedade masculina.

A viúva Alice, interpretada por Maitê, fala sobre seus diversos maridos e narra as formas como sempre impôs sua autonomia.

Para a atriz, que idealizou o projeto, trata-se de uma imagem universal de uma mulher cujas posições avançadas estariam, inclusive, além das neofeministas de hoje. A mulher de Bath seria mais livre, mais corajosa e mais bem-humorada do que elas. Não dá pra saber ao certo se isso é ingenuidade ou um misto de cinismo e desprezo pela luta atual.

REGRESSIVO

De todo modo, a sugestão de que a felicidade da mulher está ligada à conquista de autonomia dentro do casamento soa regressiva em contraste com o debate atual.

Afinal, se são posições arrojadas para sociedade medieval de 600 anos atrás, não se pode dizer o mesmo de hoje, quando as formas sociais do amor e do casamento vêm sendo enfrentadas.

A montagem ressalta as artimanhas amorosas da mulher para bem controlar seu homem no casamento (ou fora dele) como se isso fosse o índice da mais avançada forma de emancipação feminina. Posto assim, parece mais nostalgia das tradições do que interesse real pelos direitos da mulher.

Além disso, acreditando estar defendendo o arquétipo da mulher livre, o espetáculo reproduz acriticamente uma coleção de preconceitos de época, como a sugestão de que mulheres sempre cobiçam aquilo que não está ao seu alcance; que gostam mesmo de quem as agride; manipuladoras e inescrupulosas para alcançar seus objetivos.

Na maior parte do tempo, a peça reforça o que diz combater.

A MULHER DE BATH

  • Quando sex. e sáb., às 21h, dom., às 18h; até 4/3
  • Onde Sesc Bom Retiro - teatro, al. Nothmann, 185, tel. (11) 3332-3600
  • Preço R$ 12 a R$ 40
  • Classificação 16 anos
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