Dançar para não dançar. O grupo escocês Franz Ferdinand lança seu quinto álbum, "Always Ascending", misturando rock com dance music. Quer fazer seu público se requebrar para que a banda não dance e perca o prestígio.
Não que o grupo do cantor e guitarrista Alex Kapranos não pudesse incendiar uma pista desde sua estreia, no álbum homônimo de 2004.
Sim, hits como "Take Me Out" eram dançantes, mas ainda em um formato roqueiro: acordes martelados de guitarra geravam um som espasmódico que inspirava uma coreografia desajeitada, algo como trilha de bailinho nerd.
"Always Ascending" mostra uma banda sem vergonha de flertar com o synth pop ou, talvez exagero, com a música de discoteca dos anos 1970.
A banda já foi chamada de pós-punk, depois de pós-rock. Que tal "pós-disco"?
Mudanças grandes no som, nem tanto nas letras de existencialismo leve. Questões pessoais são discutidas com alguma densidade intelectual, uma zona de trabalho nos versos que rendeu ao grupo comparações com o Talking Heads de David Byrne. Nem é tão semelhante assim, mas são realmente duas bandas com estofo para escrever letras pertinentes.
O disco é o primeiro do grupo sem o guitarrista e tecladista Nick McCarthy, que resolveu dar um tempo na carreira para se dedicar à família.
O quarteto virou quinteto com a entrada de dois novos nomes: o produtor e tecladista Julian Corrie, formalmente o substituto de McCarthy, e o guitarrista Dino Bardot, que passou a integrar a banda quando "Always Ascending" já estava pronto.
Embora todos os integrantes sejam habitualmente creditados como autores, Kapranos é claramente o timoneiro.
hora de mudar
Nos quase cinco anos desde o álbum anterior, "Right Thoughts, Right Words, Right Action" (2013), o cenário roqueiro se enfraqueceu. Discos vendem menos, turnês não despertam tanto furor. Uma boa hora para mudar, Kapranos pode ter pensado.
O melhor é que a banda fez isso sem abandonar sua essência. "Lazy Boy", a faixa mais grudenta, é inundada de sintetizadores, mas ainda se sustenta sobre frases curtas e pulsantes de guitarra. "Feel the Love Go" poderia entrar no repertório do Depeche Mode, mas também tem esqueleto de rock.
"Glimpse of Love", escandalosamente Talking Heads, talvez resuma de forma mais contundente a sacada do novo trabalho: música pop de sintetizadores, mas para ser executada com guitarras rápidas e bateria marcial.
Mesmo com a assinatura da banda preservada na maioria das faixas, músicas como "Lois Lane" e "Finally" podem assustar um antigo fã. Exaltam uma alegria solta em melodias chacoalhadas, nos momentos em que o grupo mais se aproxima de ultrapassar a barreira entre rock balançado e puro pop sem vergonha de querer agradar.
A audição de "Always Ascending" é agradável e certamente vai suscitar a pergunta: como esse material vai conversar com as músicas dos quatro álbuns anteriores nos próximos shows? Só a estrada deve dar a resposta.
Para os brasileiros, a perspectiva de ver esse resultado é grande. Afinal, o grupo foi figurinha fácil por aqui em sua primeira década. Foram 15 shows entre 2006 e 2014, em seis passagens pelo país, a primeira delas diante de um estádio do Morumbi lotado, abrindo shows do U2.
Em uma época perversa para bandas de rock sem poder de reinvenção, o Franz Ferdinand dá sinais de que não vai se entregar facilmente.
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