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Artes Cênicas teatro

'Funâmbul@s' acerta linguagem, mas exagera o idealismo

Espetáculo faz bom uso da aura circense, mas perde força ao defender arte como algo mágico

Paulo Bio Toledo
São Paulo

FUNÂMBUL@S

  • Quando sex., sáb. e dias 15 e 22 (qui.), às 21h, dom., às 20h (não haverá sessão em 17/2); até 11/3
  • Onde CCSP - sala Jardel Filho, r. Vergueiro, 1.000, tel. (11) 3397-4002
  • Preço R$ 20 14 anos
  • Classificação R$ 20; 14 anos

Pode-se dizer que o espetáculo Funâmbul@s trata da angustiante vida do artista.

A dificuldade de cavar espaços, conciliar os sonhos da juventude com o pragmatismo do cotidiano e resistir nesta penosa existência que se equilibra numa corda bamba.

Além disso, o texto de Priscila Gontijo é uma espécie de espelho metalinguístico da própria autora às voltas com a escrita da peça. Os vários níveis da dramaturgia buscam evidenciar os influxos mentais que povoam a artista em suas crises de criação: realidade, referências teóricas, o sonho, o passado, a loucura.

Tal constelação forma uma cena caleidoscópica muito bem revelada pela encenação de Eric Lenate, que ainda insere um dado novo. Ele coloca a peça dentro da atmosfera objetiva e onírica do circo.

As personagens tornam-se palhaços conduzindo uma cena dinâmica e cheia de inventividade, sem abdicar, contudo, da aura melancólica que circunda a arte circense.

A proposta funciona bem e amplifica as questões centrais da dramaturgia. Mas só até certo ponto. No final da peça, as cenas se alongam em enunciações excessivas, o texto se revela prolixo e reiterativo e o espetáculo vê ruir o jogo cênico construído no início.

Mas, para além desse desenvolvimento desigual, chama a atenção em "Funambul@s" a defesa de uma definição no mínimo questionável da ideia de arte que percorre toda a peça.

Durante o espetáculo, a personagem Ana, espécie de alter ego da autora, coleciona fracassos profissionais.

O principal deles é o fato de ela dar aulas de teatro no CEU Sapopemba, bairro pobre na zona leste de São Paulo.

A insistência com que as atrizes buscam extrair comicidade de todas as vezes em que o assunto retorna expõe um infame preconceito com a pobreza. Preconceito que se reafirma na ideia de que trabalhar com arte nas periferias seja um fardo e um rebaixamento da verdadeira criação.

Em contrapartida, a ideia de arte é apresentada como algo mágico e misterioso, privilégio de sensibilidades raras e gênios incompreendidos. Uma conexão metafísica que vai além da reles existência dos homens e que resiste mesmo quando tudo desaparece.

Vem daí a série de associações que fazem entre a criação artística e experiências irracionalistas, como o sonho, o desvario e mesmo a demência. A julgar pela peça, a verdadeira arte só se liberta quando livre da âncora da razão e da estreiteza social.

Há nesse tipo de idealismo uma capitulação em olhar para o outro, em refletir sobre o mundo, em buscar se conectar com a sociedade. E assim o teatro se fecha nesse melancólico lirismo entre amigos.

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