É rindo de si mesmo que "MPB - Musical Popular Brasileiro" escancara clichês nacionais. Do samba às belas praias e mulheres esbeltas, tudo é revisto em tom de homenagem e também de ironia.
Para tanto, a produção que estreia nesta sexta-feira (2), em São Paulo, bebe do teatro de revista, gênero cômico surgido na segunda metade do século 19 e responsável pelos primeiros passos do teatro musical popular do país.
O estilo, que passava em revista fatos do ano anterior, foi o mote para resgatar arquétipos e prestar tributo a nomes como Grande Otelo e Oscarito, diz Jarbas Homem de Mello, diretor da peça.
"E trabalhar a questão musical dentro de teatro brasileiro, que tem a musicalidade na sua raiz, é repensar o próprio brasileiro", continua Enéas Carlos Pereira, que assina a dramaturgia com Edu Salemi.
Repensar o brasileiro e também como ele é visto lá fora. Ou, como definem os autores, questionar-se "qual é a cara da cara do Brasil".
A história começa quando uma empresa estrangeira encomenda à sua filial brasileira um grande espetáculo "para gringo ver e dançar".
O produtor Nogueira (Dagoberto Feliz) chama para a direção o colega Dino (Marcelo Góes), que já viu passar os tempos áureos e ganha a vida como carnavalesco de uma escola do Grupo de Acesso.
Tendo apenas sete dias para levantar toda a produção —afinal, tudo se resolve com um "jeitinho"—, Dino decide chamar para o papel de protagonista uma estrela, Suzete Campos (Adriana Lessa), apesar do alto custo da atriz e do histórico romântico dos dois.
Enquanto isso, uma dupla de anjos, Jura (Érico Brás) e Gero (Reiner Tenente), foge do inferno rumo ao céu. Os planos terrestre e celestial se encontram quando o estressado Dino tem um piripaque e se vê entre a vida e a morte.
ARQUÉTIPOS
Apesar da narrativa contínua, a estrutura segue elementos da revista, como os quadros independentes, além do tom sarcástico e da representação de arquétipos. A dupla de anjos, por exemplo, fala em caricatos sotaques carioca (alusão ao malandro) e mineiro (o caipira).
A trilha sonora não busca apenas ilustrar mas servir de narrativa, explica o diretor musical Miguel Briamonte.
A seleção deslumbra o cancioneiro da revista, da primeira metade do século 20, mas boa parte das composições em cena data dos anos 1960 até hoje, feitas por nomes como Cazuza ("Brasil") e Eduardo Dusek ("Alô, Alô, Brasil").
O acerto de contas entre Dinho e Suzete, por exemplo, é revisto num pot-pourri de canções de Chico Buarque.
Já o cenário simula um grande barracão de escola de samba do Grupo de Acesso, que abarca tanto o plano terrestre quanto o celestial.
"Aqui a gente pega emprestado o [carnavalesco] Joãosinho Trinta, faz o luxo do lixo", brinca Enéas sobre o musical -- autorizado a captar R$ 4,2 milhões via Lei Rouanet. Um modo, diz Jarbas, de também falar da crise e das dificuldades de financeiras de se produzir arte do Brasil
Mas o próprio tom da revista, com seus preconceitos, é questionado em cena. O olhar de objetificação sobre a mulher, sobre as "mulatas" (como nos shows do apresentador Osvaldo Sargentelli), o racismo, tudo é visto com tom de ironia —e por um elenco com protagonistas negros.
"O mercado mudou, não podemos mais fazer teatro de revista como era antigamente", afirma o diretor. "Tivemos nos últimos anos essa onda de musicais americanos [em muitos dos quais Jarbas participou como ator] e aprendemos muito com isso. Agora estamos buscando o que seria, hoje, nossa dramaturgia musical."
A crítica de "MPB" tange também a atual produção do teatro musical no Brasil. Para agradar a Deus e garantir um cantinho ali no céu, a dupla de anjos decide aproveitar as estrelas locais, grandes artistas que já morreram, como Elis Regina e Tom Jobim.
Tentam chamá-los a criar um espetáculo divino, mas descobrem que os músicos estão em greve tamanha a quantidade de musicais biográficos feitos no plano terrestres. "E aqui em cima ninguém viu a cor do dinheiro", explicam.
Outro chiste veio ao acaso. Numa cena, o produtor Nogueira menciona a "pré-estreia do musical sobre a Lava Jato". Segundo Enéas, a cena foi escrita antes de descobrirem que realmente está em curso um espetáculo sobre a operação da PF, com previsão de estreia no Rio, ainda neste ano. "Era uma piada, nunca imaginei que alguém faria um musical sobre a Lava Jato."
MPB - MUSICAL POPULAR BRASILEIRO
QUANDO qui. e sáb., às 21h, sex., às 21h30, dom., às 20h; até 15/7
ONDE Teatro das Artes - shopping Eldorado, av. Rebouças, 3.970, tel. (11) 3034-0075
QUANTO R$ 50 a R$ 100
CLASSIFICAÇÃO 12 anos
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