Descrição de chapéu

'O Rio' cria boa metáfora da impotência humana

Montagem do espetáculo de Jez Butterworth transita por elementos do absurdo

amilton de azevedo
São Paulo

O RIO

  • Quando sex. e sáb., às 21h, dom., às 18h; até 25/2
  • Onde Sesc Consolação, r. Dr. Vila Nova, 245, tel. (11) 3234-3000
  • Preço R$ 12 a R$ 40
  • Classificação 14 anos

Após uma série de trabalhos com elementos performativos e contemporâneos, o diretor e aqui também ator Nelson Baskerville aposta em uma encenação de base naturalista em 'O Rio' .

Virginia Cavendish (esq.) e Nelson Baskerville durante ensaio de "O Rio" - Folhapress

É verdade que o cenário de Marisa Bentivegna, para além da cabana que ambienta a ação, em diálogo com a luz de Wagner Freire no jardim ao fundo, dá tons simbolistas ao espetáculo. Com a interpretação em fricção com a dramaturgia do britânico Jez Butterworth, o aparente realismo se tinge de absurdo.

Na cabana, o Homem (Baskerville) leva pela primeira vez a Mulher (Virginia Cavendish), sua namorada, para mostrar-lhe seu hobby: a pesca de trutas mariscas. No entanto, assim que ela sai de cena, quem retorna é Outra Mulher (Maria Manoella) e vice-versa.

Assim, em um jogo que rapidamente é apreendido pelo espectador e chega a ser óbvio, instaura-se um primeiro absurdo: o Homem não registra a mudança. Nas mulheres, as diferenças sutis na interpretação Manoella parece mais confortável e transparente, Cavendish se coloca de forma aparentemente mais distanciada deixam o público em dúvida, com um campo aberto de leituras possíveis.

O início de 'O Rio', mergulhado no cotidiano de uma relação, parece pouco potente na apresentação daquelas figuras e das idiossincrasias do Homem. No entanto, quando começa a revelar o que está acontecendo, a cena fica efetivamente interessante.

No momento em que o absurdo passa a fazer parte da encenação, a metáfora com a pesca e, especificamente, com a truta buscada, se concretiza e redimensiona a peça.

DESGARRADA

A truta tão almejada pelo Homem não é um peixe comum. Trata-se de uma truta que, desgarrada do cardume, nada sozinha rumo ao mar. As poucas que sobrevivem, ao chegar ao oceano, se fortalecem. E a cada ano sobem o mesmo rio para a desova.

O Homem, confuso, atrapalhado e preso em si numa interpretação convincente de Baskerville parece mesmo desgarrado do cardume. Porém, não se fortalece antes de cada retorno à cabana. Sozinho, volta ao seu rio cada vez mais frágil.

As mulheres assentam a obra no tempo presente ao contrário do Homem, perdido na repetição dos mesmos erros e trazem para a cena narrativas do mundo exterior: um pôr do sol, um pescador, uma mulher misteriosa...

Nesse embate com a grandiosidade da natureza, a figura masculina se depara com a impossibilidade de ter em si a potência da truta marisca que sobe o rio cada vez mais forte. Preso em seus próprios procedimentos, só resta a artificialidade: Isso que a gente faz aqui não tem nada de verdadeiro. Quando fala da pesca, o Homem fala de si.

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