Descrição de chapéu
teatro

'Paisagem em Campos do Jordão' troca o vulgar por humor subversivo

Com texto de Marcelo Mirisola e Nilo Oliveira, comédia critica repressão sexual

BRUNO MACHADO
São Paulo

PAISAGEM EM CAMPOS DO JORDÃO

  • Quando qua. (31), às 21h; até 28/2
  • Onde Teatro Cemitério de Automóveis, r. Frei Caneca, 384, tel. (11) 2371-5743/ (11) 99292-8707
  • Preço R$ 40
  • Classificação 18 anos

A sinopse de "Paisagem em Campos do Jordão" anuncia um besteirol descartável: em um bar, dois velhos amigos colocam os assuntos em dia. Casados, sem muitas reservas, eles narram suas escapadas sexuais até que um confidencia ao outro ter sido flagrado pela enteada, uma criança de oito anos, quando fazia sexo com uma travesti.

A atriz Patrícia Vilela em cena da peça ‘Paisagem em Campos do Jordão’ - Lenise Pinheiro/Folhapress

Dada a situação, surpreende que a dramaturgia de Marcelo Mirisola e Nilo Oliveira abdique de piadas grosseiras e vulgares, tão comuns no humor popular, e abrace a subversão típica da comédia de costumes.

A conversa de bar travada por Leo (Fábio Espósito) e Guga (Henrique Stroeter) em nada se parece com uma consulta psicanalítica ou uma confissão religiosa. É uma celebração quase adolescente da autodescoberta sexual.

A transa com a travesti não trouxe a Leo qualquer vestígio de culpa, vergonha ou dúvida sobre sua sexualidade. Pelo contrário, é uma experiência libertadora que ele faz questão de compartilhar com o amigo --uma epifania que lhe revelou novos nuances do seu desejo.

Guga, por sua vez, encarna o porta-voz da moralidade. Coloca em xeque a orientação sexual do amigo e lhe recorda que, ao transar com a travesti, traiu a mulher. Mais importante, lembra que a cena foi presenciada por uma criança.

Mirisola e Oliveira parecem ter prazer em chocar o espectador e, frequentemente, encontram o verossímil no absurdo os politicamente incorretos "veado" e "traveco" do texto, todo o tempo, evocam a origem e a mentalidade daqueles personagens.

Contudo, a dupla não ignora limites (e o fato de que a interação entre crianças e adultos nas artes não é algo que, hoje em dia, tem grande simpatia do público). Cuidadosamente, relega a enteada à condição de simples dispositivo dramático, cuja função é colocar em cena a mulher de Leo, interpretada por Patrícia Vilela.

A segunda metade do espetáculo, então, dedica-se ao acerto de contas entre a mulher traída e o marido adúltero, não sem novamente surpreender com um ou outro elemento que parece, deliberadamente, fora de lugar.

REPRIMENDAS

O diretor Mauro BaptistaVedia lê nas entrelinhas do texto de Mirisola e Oliveira uma reprimenda ao moralismo hipócrita que vigia e censura a sexualidade do paulistano de classe média, incorporado nos tipos e sotaque de Espósito e Stroeter. Contudo, poupa o público de uma crítica mais severa e opta por chafurdar no humor, tão bem explorado pelo elenco. É nos atores que ele aposta, e com sucesso, todas as fichas.

"Paisagem em Campos do Jordão" é uma comédia de costumes e, como tal, traz consigo uma lição que, em contraste com sua grotesca trama, soa quase piegas: abandonar o preconceito faz as pessoas mais felizes.

De modo meio torto e rude, os autores parecem advogar que a salvação do homem, especialmente o paulistano de classe média, reside no gozo livre do medo.

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