Retrospectiva de Luchino Visconti mostra obra do cineasta além dos rótulos

Cinesesc exibe, a partir de quarta (28), os 17 títulos que o italiano dirigiu entre 1943 e 1976

CÁSSIO STARLING CARLOS
São Paulo
O cineasta italiano Luchino Visconti (1908-1976) - Divulgação

Nobre. Marxista. Homossexual. A sucessão de etiquetas coladas à vida e à obra de Luchino Visconti (1906-76) serviu para preservar o valor cultural da filmografia do diretor italiano, mas pode mascarar outros aspectos ainda não atropelados pelo andar da carruagem histórica.

A retrospectiva completa, em exibição no Cinesesc, de 1º a 14 de março, dos 17 títulos que ele dirigiu entre 1943 e 1976 permite descobrir camadas menos insistidas de seu cinema, assim como experimentar o êxtase na revisão da magnitude de seu estilo cênico.

Além de todos os longas, a mostra também apresenta três curtas que integram os filmes em episódios "Nós, as Mulheres" (1953), "Boccaccio 70" (1962) e "As Bruxas" (1967), nos quais Visconti divide espaço com nomões do cinema italiano, entre os quais retumbam os de Roberto Rossellini (1906-77), Vittorio De Sica (1901-74), Mario Monicelli (1915-2010), Federico Fellini (1920-93) e Pier Paolo Pasolini (1922-75).

A estreia com "Obsessão" (1943) prenuncia uma nova estética, mais tarde chamada neorrealismo, feita de desmascaramentos, base de um cinema que se afasta do molde Hollywood e se aproxima da vida, da imperfeição.

Nessa crônica sobre um casal de amantes malditos, inspirada na trama de "O Destino Bate à Sua Porta", de James Cain (1892-1977), Visconti filma de modo bruto a ilusão amorosa e a traição, temas constantes ao longo da obra.

"A Terra Treme" (1948) cristaliza a intenção social do neorrealismo com um drama sobre a tragédia invisível da gente pobre. Este, que traz a visão mais explícita do olhar comunista de Visconti, é também o filme que introduz a família como aglomerado de tensões e contradições, outra constante que atravessa sua filmografia, prolongando-se em "Rocco e Seus Irmãos (1961), "Os Deuses Malditos" (1969) e "Violência e Paixão" (1974).

MELODRAMA

A exacerbação sentimental do melodrama como modo de revelar o desajuste entre o individual e o coletivo vem à tona a partir de "Belíssima" (1951) e "Senso - Sedução da Cerne" (1954).

Com o segundo, eclode também a vertente operística, teatral e estetizada da obra, a encenação suntuosa que faz até o espectador reticente sucumbir ao espetáculo. Esse será um efeito de assinatura evidente em "O Leopardo" (1963), "Ludwig" (1973) e "O Inocente" (1976), por meio do qual se notam as origens aristocráticas do cineasta, um conde de nascimento.

O esteticismo viscontiano, no entanto, não propõe a contemplação da beleza como um valor em si. Esta vem sempre contaminada por processos que a corroem, figurados na degradação do corpo que envelhece em contraposição aos encantos físicos, que se supõe intactos, da juventude.

Esse pessimismo em forma de decadentismo emerge ainda nos anos 1950, mas se intensifica na fase final da vida de Visconti, em particular nos chamados "filmes doentes", a partir de "Morte em Veneza" (1971), inspirado na obra de Thomas Mann (1875-1955).

Por fim, a retrospectiva é uma oportunidade de reconsiderar a adaptação do clássico existencialista "O Estrangeiro", de Albert Camus, feita em 1967. Aqui, desoculta-se o conflito edipiano entre cinema e literatura, essencial à obra do diretor, o confronto em que a narrativa audiovisual, para subsistir, precisa se opor à literária, que a precede e inspira.

Esse confronto de duas visões revela também que quando um artista se apropria da obra consagrada de outro age como quem rouba um original, falsificando-o para cravar o que lhe é mais pessoal, outra assinatura, outro estilo, outra autoria.


RETROSPECTIVA LUCHINO VISCONTI

QUANDO de 1º a 14 de março

ONDE CineSesc (r. Augusta, 2075, tel. 3087-0500)

QUANTO de R$ 3,50 a R$ 12


PROGRAMAÇÃO

"Vagas Estrelas da Ursa"

28/2 (quarta, às 20h30), 2/3 (sexta, às 19h) e 12/3 (segunda, às 19h30)

"Violência e Paixão"

1º/3 (quinta, às 21h) e 8/3 (quinta, às 18h30)

"As Bruxas"

1º/3 (quinta, às 19h) e 13/3 (terça, às 14h)

"Morte em Veneza"

3/3 (sábado, às 21h) e 11/3 (domingo, às 18h30)

"Belíssima"

3/3 (sábado, às 19h) e 12/3 (segunda, às 14h)

"O Leopardo"

4/3 (domingo, às 17h30) e 9/3 (sexta, às 18h)

"O Estrangeiro"

4/3 (domingo, às 21h) e 10/3 (sábado, às 18h30)

"Senso - Sedução da Carne"

5/3 (segunda, às 21h) e 10/3 (sábado, às 21h)

"Nós, As Mulheres"

5/3 (segunda, às 19h) e 14/3 (quarta, às 14h)

"Noites Brancas"

6/3 (terça, às 19h) e 11/3 (domingo, às 21h)

"Obsessão"

6/3 (terça, às 21h) e 12/3 (segunda, às 21h30)

"Ludwig"

7/3 (quarta, às 19h) e 10/3 (sábado, às 14h)

"Rocco e Seus Irmãos"

8/3 (quinta, às 14h) e 12/3 (segunda, às 16h)

"Os Deuses Malditos"

8/3 (quinta, às 21h) e 13/3 (terça, às 16h)

"A Terra Treme"

9/3 (sexta, às 14h) e 13/3 (terça, às 19h)

"O Inocente"

9/3 (sexta, às 21h30)e 14/3 (quarta, às 16h)

"Boccaccio 70"

11/3 (domingo, às 14h) e 14/3 (quarta, às 18h30)

* cópias em 35 mm da Cinemateca Nacional, em Roma; alguns títulos em digital restaurado

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