Tradicional trilha sonora do Carnaval, axé é destronado pelo funk

Levantamento mostra que axé não esteve entre as dez mais ouvidas na folia desde 2013

Sarah Mota Resende
São Paulo

Em dezembro do ano passado, um meme começou a ganhar vulto na internet com um alerta: o brasileiro deveria se preocupar pois, até então, a folia carnavalesca de 2018 ainda não tinha um sucesso para chamar de seu.

Mas a resposta estava próxima: o funk "Que Tiro Foi Esse?", da cantora Jojo Todynho, lançado no fim do ano.

A frase que dá o título à canção se popularizou nas redes sociais até Caetano Veloso entrou na onda, encenando uma pessoa caindo ao som de um tiro no momento em que a funkeira grita.

A batida do funk firmou-se, afinal, como promessa a hit do vindouro Carnaval.

Seguindo tendência que dura cerca de dez anos, a música da vez nesse feriado é um funk, e não é um axé.

A funkeira carioca Jojo Todynho, 20, autora do hit "Que Tiro Foi Esse"
A funkeira carioca Jojo Todynho, 20, autora do hit "Que Tiro Foi Esse" - Agência O Globo

O gênero surgido na Bahia embalou foliões por décadas e consolidou-se como representante oficial do Carnaval brasileiro graças a hits hoje vistos como clássicos, caso de "Milla" (1996), do cantor Netinho, ou "Swing da Cor" (1991), de Daniela Mercury.

No Carnaval do ano passado, segundo levantamento feito pelo Google a pedido da Folha, as três músicas mais ouvidas no YouTube tinham ingrediente de funk: "Deu Onda" e "Olha a Explosão", dos funkeiros MC G15 e MC Kevinho, respectivamente, e "Loka", parceria das sertanejas Simone e Simaria com Anitta.

A empresa estudou os vídeos mais vistos duas semanas antes do Carnaval, na semana da folia e nos sete dias posteriores, nos anos de 2008 a 2017, em todo o país.

De acordo com os dados, um axé não figura entre as dez canções mais ouvidas desde 2013, quando a quinta música mais popular na plataforma foi "Largadinho", da baiana Claudia Leitte.

Naquele ano, os dois primeiros lugares do ranking foram dos funks "Passinho do Volante" (do refrão ah lelek lek lek), de Federado e os Leleques, e "Amor de Chocolate", de Naldo Benny.

Desde 2008, o axé só liderou o ranking nos anos de 2011 e 2010 graças aos hits "Liga da Justiça", do grupo Levanoiz, e "Rebolation", da banda Parangolé.

Para Leitte, o fenômeno não é novidade e tampouco é algo ruim. "Carnaval sempre foi plural e acho que por isso faz o sucesso que faz", disse a cantora à Folha. Ela lembra que "Anna Júlia", da banda de rock Los Hermanos, já foi a música do Carnaval.

Já para Ivan Siqueira, professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo e especialista em história da música, os hits de Carnaval vêm derivando muito do que faz sucesso no resto do ano, sobretudo no eixo Rio-São Paulo. "E ouve-se muito funk", diz.

"No caso da Bahia, tivemos no ano passado uma promessa de sucesso com 'Me Libera Nega', do MC Beijinho, que não decorre da tradição do axé", lembra.

PARCERIAS

No lugar de hits pensados para estourar no auge do verão brasileiro e cair nas graças de quem gosta de pular o Carnaval, artistas que estouraram com o axé vêm apostando em parcerias tendência também percebida em outros gêneros.

A própria Claudia Leitte fornece um exemplo. Seu mais recente lançamento é a música "Carnaval", cantada em inglês e fruto de uma parceria com o rapper americano Pitbull.

Antes, há cerca de dois meses, a cantora também lançou "Lacradora", outra parceria, desta vez com as sertanejas Maiara e Maraísa.

Ivete Sangalo é outra axezeira que segue essa tática. Em outubro, ela lançou "Cheguei Pra te Amar", uma espécie de reggaeton que conta com a participação de um funkeiro, o MC Livinho.

Se Ivete está fora do páreo neste Carnaval ---está na reta final de gravidez de gêmeas---, o mesmo não se aplica ao colega paulista.

Com seu novo funk, "Fazer Falta", Livinho promete disputar com o tiro de Jojo o título de hit do Carnaval 2018.

 

ANTES E DEPOIS
O que aconteceu com outros autores de hits da folia carnavalesca

PARANGOLÉ
O grupo baiano foi responsável pelo hit do ano em 2010, o grudento "Rebolation". No ano seguinte, a banda deixou o top 10, mas ficou entre os cem mais tocadas com a música "Tchubirabirom"

 
O cantor Léo Santana, que foi do grupo Parangolé na época do hit 'Rebolation'
O cantor Léo Santana, que foi do grupo Parangolé na época do hit 'Rebolation' - Reprodução

LEVANOIZ
Depois do sucesso "Liga da Justiça", em 2011, o grupo desapareceu do top 100

MICHEL TELÓ
O Carnaval de 2012 foi de um sertanejo, Michel Teló, graças à música "Ai Se Eu te Pego". Apesar de continuar entre os artistas mais populares do país, Teló não emplacou outros hits de Carnaval

O cantor sertanejo Michel Teló durante apresentação do espetáculo "Bem Sertanejo, O Musical"
O cantor sertanejo Michel Teló durante apresentação do espetáculo "Bem Sertanejo, O Musical" - Fotoarena/Folhapress

FEDERADO E OS LELEQUES
Grupo sumiu da lista dos cem maiores sucessos de folia depois de "Passinho do Volante", em 2013

(Sarah Mota Resende) 

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