"Eu não vou morrer, mas já posso. Cinco casamentos, tive filhos, meus pais morreram. Fiz esse disco para os meus pais e estou muito feliz."

Quem escuta o cantor, compositor e multi-instrumentista André Abujamra, 52, falando de seu novo álbum/show/filme, "Omindá", pode ficar impressionado com o entusiasmo do autor pela obra. E quem escuta e vê o resultado dificilmente vai deixar de compartilhar essa animação.

O disco "Omindá - A União das Almas do Mundo pelas Águas", produzido por ele e Sérgio Soffiatti, chega às plataformas digitais nesta quinta (22). Mas a compreensão (e degustação) completa do projeto virá com os shows de lançamento, de sexta a domingo no auditório Ibirapuera.

O espetáculo terá 62 minutos e 34 segundos, o tempo de projeção do filme que será exibido enquanto o músico comanda 40 pessoas no palco. E tudo sincronizado com material gravado por artistas de 13 países, que aparecem na tela filmados pelo próprio Abujamra em locações pelo mundo.

As músicas são épicas, com várias partes, cada faixa complexa como uma pequena suíte. E, pela primeira vez na carreira, as letras não têm o humor costumeiro do autor.

A temática da água, influenciada pelo candomblé, que Abujamra frequenta há anos, aparece em letras profundas.

"Não tem concessões. O negócio é grande, uma coisa megalomaníaca", afirma o músico à Folha. "Eu mesmo filmei todos com duas câmeras HD, 4K. Estou enlouquecendo editando esse material", diz, dando entrevista em seu estúdio caseiro, com barba por fazer e olheiras, numa semana em que está dormindo pouco mais de três horas por noite.

"Omindá" é fruto de 11 anos de concepção e diversas viagens. Nesse período, Abujamra produziu outros trabalhos, como o disco "Homem Bruxa", do qual ainda faz shows, e as trilhas sonoras, sua principal fonte de renda. Com esse dinheiro bancou o projeto.

Suas viagens o levaram para os seguintes países: Argentina, Bulgária, Estados Unidos, França, Grécia, Índia, Japão, Jordânia, Mali, Portugal, República Tcheca, Rússia, Turquia e Uruguai.

FINANCIAMENTO

Quando foi à Bulgária, onde gravou com um coral feminino, foi questionado pelo irmão, responsável por suas finanças, sobre a razão de tudo aquilo. "Porque é a minha vida, cara! Tem nego que compra Land Rover, eu faço disco", diz Abujamra. Não deve haver retorno financeiro do projeto.

Ele destaca um lado político na proposta. "Nunca consegui Lei Roaunet, ProAC, esses troços, e sempre fiz as coisas. A grana desse projeto vem do direito autoral das minhas trilhas. São 60 longas, o 'Castelo Rá Tim Bum', de muito sucesso, e agora tem 'O Show da Luna', que faz a molecada pirar no Discovery Kids."

Ele ironiza quem diz por aí que, sendo filho do ator e diretor de teatro Antônio Abujamra (1932-2015), teria dinheiro de família.

"Meu pai jogava em cavalo, não tinha essa de ter dinheiro. Foi um sonho que realizei para mim mesmo. Comprei a briga, como bom taurino. Não iria esperar para captar dinheiro de investidores. Tinha recursos, gastei. É um lance político. O artista tem que produzir. Foda-se que não tem dinheiro, vá fazer show com dois galos e um penico, mas não fica esperando."

Em outros trabalhos, Abujamra usou samplers e bastante coisa gravada que repetia muitas vezes. Para "Omindá", escreveu as as partituras para todos os instrumentos e tudo foi gravado para o projeto.

PARCERIAS

A maioria dos músicos que contatou eram artistas que ele não conhecia. Fez pesquisas na internet, como buscas do tipo "o melhor flautista indiano". Começava a troca de informações, mandava músicas, recebia de volta e editava.

Ele foi atrás de duas companhias que admirava a fim de gravar as bases de todas as faixas: a Orquestra Filarmônica de Praga e O Mistério das Vozes Búlgaras, coro de senhoras baseado em Sofia e famoso no mundo todo.

Com o grupo tcheco, tinha duas sessões para gravar 12 músicas. "Cinco minutos antes, estavam todos em seus lugares. E como são bons! Tive orgasmos múltiplos ouvindo aquilo! O maestro estava sério, mas já sorriu na segunda música e na terceira estava tomando cerveja comigo", conta.

O cast reunido por ele tem nomes conhecidos, como a atriz e cantora portuguesa Maria de Medeiros, e opções inusitadas como dois beduínos, Salim Eid e Abdala Dafualh, que gravaram de madrugada num deserto da Jordânia.

O disco/filme traz também diversos artistas brasileiros, como os cantores pop Ritchie e Paulinho Moska e a banda Trupe Chá de Boldo.

Além do álbum e das projeções no show, a serem disponibilizadas em clipes, Abujamra prepara um documentário sobre o processo de criação. Depois, pretende partir da água para outros elementos, compondo trabalhos sobre o fogo, a terra e ao ar.

Mas o músico diz querer agora ao máximo este momento do lançamento de um trabalho gestado durante tanto tempo. "Fui para São Luís, no Maranhão, e vi que os caras de lá fazem a festa de São João para eles. Estão pouco se fodendo para turistas, TV e tal. Eu fiz esse disco só para mim, em memória dos meus pais."

OMINDÁ

ARTISTA André Abujamra

GRAVADORA Independente

QUANTO disponível em plataformas de streaming como Spotify e Deezer

SHOW sex. (23) e sáb. (24), às 21h; dom. (25), às 19h

ONDE Auditório Ibirapuera, av. Pedro Álvares Cabral, s/nº, tel. (11) 3629-1075

QUANTO R$ 30

QUEM PARTICIPA DE 'OMINDÁ' 

Os convidados e onde foram filmados

EUA

Santa Mônica 
José Abujamra (guitarra)

Brasil
Rio de Janeiro 

Ritchie (voz)
Paulinho Moska (voz)

Santos
Theo Werneck (voz)

São Paulo
Anelis Assumpção (voz)
Estrela D’Alva (voz)

Argentina

Buenos Aires
Perotá Chingó - Julia Ortiz e Dolores Aguirre (vozes)
Mintcho Garramone (voz e guitarra baiana)

Uruguai

Montevidéu

Martín Buscaglia (voz)

Portugal
Sesimbra

Maria de Medeiros (voz)

Lisboa
Xis (voz)

França

Paris

Ballaké Sissoko [5] (kora)
Zaza Fournier (voz)
Flavio Rassekh (declama texto em persa)

República Tcheca

Praga 
Orquestra Filarmônica de Praga 

Bulgária

Sofia

Coro O Mistério das Vozes Búlgaras 

Jordânia

Deserto Wadi Run 
Beduínos Salim Eid e Abdala Dafuallh (oud e voz)

Petra
Nael Hamadeen (locução)

Índia

Nova Déli

Rishab Prasanna (flauta bansur)

Faridabad
Sharat Srivastava (violino)

Rússia

Moscou
Sasha Vista (voz)

Japão

Monte Fuji
Oki Kano (voz e tonkori)

Kyoto
Andréa dos Santos (compositora)