Descrição de chapéu

Após purga, academia usa premiação para fazer mea-culpa

Cerimônia convidou mulheres, imigrantes, negros e atores ativistas a manifestarem opiniões

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São Paulo

Não havia caminho para a cerimônia do Oscar deste ano, após tantas denúncias de abuso sexual atordoarem Holywood, que não culminasse em uma das edições mais políticas do prêmio.

Desde que Marlon Brando enviou a ativista indígena Sacheen Littlefeather para rejeitar seu Oscar de melhor ator em 1973, espectadores e indústria cinematográfica não confrontavam tema tão incômodo.

A diferença é que o protesto de Brando foi ato único e solitário, e o que se viu no palco neste domingo (4) foi a absorção da manifestação genuína de parte importante do meio artístico pela festa máxima do showbiz, com resultados díspares.

Menos mal que os roteiristas e o apresentador Jimmy Kimmel, alguém que marca um "6" em uma escala de acidez crítica, tenham aceito a tarefa com graça.

Além de por no script os cutucões característicos do show, convidaram mulheres, imigrantes, negros e atores ativistas a manifestarem opiniões no palco.

O ápice veio quando as comediantes Maya Rudolph e Tiffany Haddish apresentaram o melhor documentário em curta-metragem com um esquete brilhante ironizando uma suposta falta de brancos no Oscar (Haddish é negra; Rudolph é mestiça).

Também foi memorável o discurso da queniana-mexicana Lupita Nyong'o, melhor atriz coadjuvante em 2014, e do paquistanês Kumail Nanjiani ("Silicon Valley") lembrando que são estrangeiros trazidos aos EUA na infância —como as 800 mil pessoas na mira do presidente Donald Trump.

Nanjiani, indicado ao prêmio de roteiro original por "Doentes de Amor", lembrou que representatividade nas telas é, além de tudo, bom negócio, como mostra o sucesso de "Mulher Maravilha" e "Pantera Negra".

Se esses momentos fluíram naturalmente, atraindo palmas e reflexão, expiar décadas de acobertamento do assédio e manter atento o espectador foi mais difícil.

O melhor ator de 2017, Casey Affleck, é alvo de denúncias de agressão sexual que culminaram em acordo e não entregou a estatueta de melhor atriz. Em seu lugar surgiram Jennifer Lawrence e Jodie Foster, que evitaram o tema ao premiarem uma Frances McDormand feminista e contundente.

Ashley Judd, Salma Hayek e Annabella Sciorra, três das atrizes que denunciaram o produtor Harvey Weisntein, falaram dos movimentos contra assédio, mas, como a plateia, pareciam pouco confortáveis.

Não houve vestidos pretos em protesto, e muitos dos figurinos evocavam a castidade. Igualmente pueril foi o vídeo com mulheres, negros e estrangeiros convidando à maior diversidade, como se fosse possível acreditar que a partir de agora as chances passaram de fato a ser iguais para todos.

Decerto tabus foram quebrados, o que é fundamental. Para a naturalização da representatividade, porém, só começamos a avançar.

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