Descrição de chapéu

Brasileira que era radicada em Londres é principal surpresa na Bienal 

Lucia Nogueira está entre os artistas mortos que ganharão homenagens no evento 

Silas Martí
Nova York

Estranhos objetos descartados nas ruas de Londres, de geladeiras a móveis surrados, ressurgem com força estranha nos trabalhos de Lucia Nogueira, que construiu sua obra com fragmentos e cacos de seus dias mais cinzentos.


Talvez a maior surpresa da próxima Bienal de São Paulo seja a obra dessa brasileira quase desconhecida em seu país —ela nasceu em Goiânia, mas foi viver na capital britânica em 1975 e lá ficou até a sua morte, há duas décadas. 


Nogueira tem obras na coleção da Tate Modern e influenciou uma geração de nomes britânicos, como Tacita Dean e Shelagh Wakely, e brasileiros, entre eles, Tunga, mas o rastro que ela deixou no Brasil foi quase invisível.


Entre os nomes anunciados no recorte principal da mostra que abre as portas em setembro no parque Ibirapuera, o curador Gabriel Pérez-Barreiro escalou Nogueira ao lado de outros 11 artistas de gerações e origens distintas.


Tudo indica que o espanhol que já esteve à frente da Bienal do Mercosul parece estar desenhando uma exposição com pegada política talvez um tanto sutil para os tempos de bangue-bangue em que vivemos, mas com sensibilidade bem aflorada.

Nada, no entanto, é certeza absoluta. Novos nomes estarão nas seleções organizadas por outros curadores trabalhando na mesma mostra.


Mas na mesma linha esparsa da obra de Nogueira, Pérez-Barreiro escolheu peças de Tamar Guimarães, que nos últimos dez anos esteve em duas edições da mostra paulistana, a estreante Maria Laet, que faz vídeos e performances em que costura a areia da praia, entre outros gestos, e Nelson Felix, que flerta com o minimalismo.


Duas exceções notáveis a esse repertório de atos às vezes mais cerebrais ou emudecidos são as pinturas de Siron Franco e Vânia Mignone.


Fãs de cores saturadas e de uma figuração de forte carga dramática, os dois já passaram pela Bienal em décadas anteriores e retornam com alguns trabalhos novos e históricos. 


No caso de Franco, os que foram à sua retrospectiva na Biblioteca Mário de Andrade há um ano terão uma sensação de déjà vu ao ver na Bienal a série inspirada no vazamento de césio 137, um dos maiores desastres ambientais na história, que levou pânico a Goiânia três décadas atrás.


Essa mesma série, que denuncia o descaso do governo com a população de sua cidade após a contaminação com material radioativo, parece responder pela ala mais ecológica da mostra, algo que toda Bienal vem fazendo em tempos de catástrofes climáticas.


Mignone, com enormes telas que lembram a estética de desenhos animados mais expressionistas, mergulha em dramas pessoais, dissecando monstros escondidos nos cantos mais escuros de casa.


Nesse ponto, há uma relação com os bordados do paraguaio Feliciano Centurión, artista que morreu de complicações da Aids ainda jovem e que lembra, no gesto de costurar o próprio desespero, aquilo que fez Leonilson, um dos astros da arte brasileira.


Outro artista relembrado na Bienal é o guatemalteco Aníbal López, um dos maiores nomes da performance de seu país — 11 anos, na Bienal do Mercosul ele contrabandeou 500 caixas vazias para Porto Alegre, num gesto de denúncia contra fronteiras muitas vezes atravessadas pela violência. 


López, que morreu há quatro anos, terá agora obras históricas no pavilhão da Bienal.


Uma escolha ousada de Pérez-Barreiro é Bruno Moreschi, artista que vem chamando a atenção do circuito apontando as falhas do mundo da arte —sua obra mais conhecida é um catálogo de artistas de mentira baseado nos estereótipos desse universo.

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