Descrição de chapéu
Moda

Chanel e Miu Miu encerram desfiles com pé nos anos 1980

Metade do calendário internacional outono-inverno 2018-2019 foi na mesma direção

PEDRO DINIZ
Paris

Chanel

Miu Miu

Laquê nos cabelos, cores ácidas, ombros marcados, vestidos com luva, sapatos com brilho e pedrarias.

Os anos 1980 ficaram para trás, mas duas das grifes mais importantes do mundo embarcaram em uma viagem de volta para o passado com um pé no futuro próximo.

Aliás, metade do calendário internacional nesta temporada de outono-inverno 2018-2019 foi nessa mesma direção.

O último dia da semana de moda de Paris mostrou a cara carregada de maquiagem dos anos de festa, o mesmo desejo de libertação do pós-hippie dos anos 1970, mas com um pouco mais de glitter, tradução moderna dos tempos anteriores à Aids, que traria uma onda de medo e recato.

Foram Miuccia Prada, em sua marca Miu Miu, e Karl Lagerfeld, na Chanel, os estilistas cujas tesouras interpretaram melhor essa tendência.

Na manhã de terça-feira (6), o Grand Palais foi tomado por árvores mortas e folhas alaranjadas do outono. O visual morto, contudo, era um artifício para todo o brilho da releitura da década aplicada aos códigos da grife Chanel.

Desfile da Chanel no Grand Palais tomado por árvores mortas e folhas do outono - Patrick Kovarik/AFP

Sobretudos combinados a camisas de gola alta estruturada, o clássico "look" Chanel, evoluíram para uma série de conjuntos de calças "pantacourt" e blusas soltas preenchidas por fio de lurex. Botas compunham a ideia de Lagerfeld de reeditar o legado da grife em viés extravagante.

Madames góticas, envolvidas em vestidos finalizados com plumas negras, e ciganas chiques, estampadas com folhagens e enroladas até o pescoço com correntes, se destacavam em meio à paisagem ressecada pelo frio ameno.

O matelassê que identifica as bolsas Chanel foi parar em casacos e calças, e passeava pelos looks o efeito de ouro borrado, envelhecido, cujo tom parece saído dos biombos chineses expostos no apartamento no qual Coco Chanel (1883-1971) trabalhava na capital francesa.

Entre as opções de acessórios, um espetáculo visual à parte, o destaque foi uma bolsa em formato de camélia, a flor predileta de Chanel, toda bordada com pedrarias.

Em tom irônico, Lagerfeld pesca a estética de boudoir traduzida em vestidos acetinados e rendados como lingerie, uma memória da liberdade sexual de outrora que anda em baixa, ante a ascensão de outros códigos morais.

TOCA UM ROCK AÍ

Moralidade e opressão se tornaram alvos de um certo exorcismo que Miuccia Prada, em momento inspirado, quis expor em sua coleção, apresentada no prédio do Conselho Econômico, Social e Ambiental. A Miu Miu costuma desfilar naquele local as suas coleções de moda jovem.

A atriz Elle Fanning abriu o desfile da Miu Miu em Paris - Vianney Le Caer/Invision/AP

É dos anos 1980 que a matriarca da moda italiana retira as referências dos ombros ampliados, do xadrez príncipe de gales, do vinil fetichista e do penteado volumoso.

Ela explorou todo o bê-a-bá da moda, tanto nas letras coladas em fachadas pregadas no teto quanto nas cores que fazem da moda um cano de escape em dias sombrios.

Quando os primeiros versos de "No One Receiving", de Brian Eno, embalaram a trilha ("Isso vai brilhar, isso vai tremer..."), a atriz Elle Fanning abriu o desfile com casaco camelo amplo, lenço azul amarrado no pescoço e bota preta pesada com meia branca.

A partir daí, vários perfis femininos, —negras, loiras, ruivas e carecas—, brilhavam com jaquetas bombers, calças jeans de cintura alta, vestidos curtíssimos com fenda —uma surpresa no universo "ladylike" da Miu Miu— e minissaias de tons fluorescentes.

Recortando as décadas seguintes à estudada, Miuccia Prada dá a palavra final nesta temporada, que reproduz as nuances do noticiário político carregado de incertezas, planejando um futuro embebido da rebeldia comum à sua história na moda.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.