Descrição de chapéu
Livros

Clichês e banalidades ofuscam acertos de Giovana Madalosso

'Tudo Pode Ser Roubado' é o primeiro romance da escritora

DANIEL DE MESQUITA BENEVIDES

TUDO PODE SER ROUBADO

  • Preço R$ 49,90 (192 págs.)
  • Autor Giovana Madalosso
  • Editora Todavia

Camila é garçonete num restaurante da moda. Embora inteligente e esperta, não tem ambições como a maioria das pessoas. Vive do emprego e principalmente de furtos esporádicos. Suas vítimas são homens e mulheres que escolhe pela aparência e riqueza.

A escritora Giovana Madalosso
A escritora Giovana Madalosso - Renato Parada/Divulgação

Como é muito bonita e sedutora, não tem dificuldade de se enfiar em suas camas e ter acesso a gavetas e armários. O espólio da refrega galante vai parar no brechó da amiga Tiana, uma trans que finge não saber a origem das peças de grife que recebe.

Certo dia, Biel, um pilantra de passaporte surrado, a aborda com seu indefectível Fedora e uma proposta irrecusável: R$ 50 mil para roubar a primeira edição de "O Guarani", de José de Alencar, datada de 1857.

O patrocinador do golpe é uma figura excêntrica de túnica, moradora num apartamento lotado de obras de arte em Higienópolis (muito parecida com um conhecido ex-editor de São Paulo).

"Tudo Pode Ser Roubado", o primeiro romance de Giovana Madalosso, que lançou o promissor livro de contos "A Teta Racional", trafega por uma São Paulo marginal e cosmopolita com a mesma naturalidade de sua narradora/personagem central: seduz o leitor distraído e rouba-lhe a atenção. O livro mais parece um roteiro de cinema ou série de TV.

É quase possível ouvir a narração, de tanto que ela lembra uma voz em off, com observações em doses equilibradas de cinismo e humor.

A construção das cenas é fotográfica, com direito a direção de arte e figurino —ambientes e roupas são sempre descritos com agilidade pop.

A cidade é mostrada em sua diversidade, da riqueza de festas dionisíacas à miséria das sarjetas e seus viciados. O olhar da narradora parece se deslocar em ângulos inesperados e travellings, closes e zooms. Num dado momento chega a desejar estar num filme para poder visualizar o almejado "Guarani".

Mas essa facilidade imagética esconde também muitos problemas. Os diálogos, com algumas exceções, variam entre o artificial e o banal. Os personagens são quase todos caricatos ou previsíveis.

A descrição das aulas do professor (e alvo do furto) mostra um sujeito politicamente correto no limite da ingenuidade, que incita seus alunos a "empunhar a pena" para "transformar a sociedade".

Algumas piadas se repetem demais (as listas, a porcentagem do sorriso), há súbitas variações de tom entre o poético, o existencial, o meramente mundano e até o juvenil e há fatos sem sentido.

Eventuais bons momentos perdem o brilho a cada clichê ou cena mal resolvida. Como muitos autores de sua geração, Madalosso, que se insere, digamos, entre um Raphael Montes e uma Fernanda Torres, também se utiliza de anedotas culturais bizarras para tornar o caldo mais saboroso.

Funciona, despertando 70% de sorriso no leitor. Mas é um recurso fugaz, como os enfeites que adornam o manequim do brechó. E faz pensar, de alguma forma, na cena em que Camila carrega o manequim, nu, em meio à chuva —sem saber por quê.

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