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Livros

Coletânea de relatos transcritos se equilibra entre lirismo e pieguice

'Tudo Que é Belo' reúne 40 depoimentos a um programa de rádio com entrelinha edificante

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
São Paulo

tudo que é belo

  • Preço R$ 59,90 (384 págs.)
  • Autor The Moth
  • Editora Todavia
  • Tradução José Geraldo Couto

Onde termina o lirismo, e começa a pieguice? Qual a divisa entre uma lição de vida e uma lição de moral?

É assim, entre o sentimento e o sentimentalismo, que caminham as 40 histórias de "Tudo Que É Belo".

Este é um lançamento ousado. Trata-se de uma coletânea de depoimentos na primeira pessoa, dados diante de uma plateia, a um programa de rádio americano, The Moth (A Mariposa), desconhecido no Brasil.

Homem dá depoimento no programa de rádio americano 'The Moth'
Público acompanha depoimento em The Moth, popular programa de rádio americano - Denise Ofelia Mangen/The Moth/Divulgação

Sem a âncora de um programa famoso, resta a "Tudo Que É Belo" sustentar-se, sozinho, pelas força literária de suas histórias. Consegue? Em grande medida, sim.

Primeiro, é preciso entender que os depoimentos desta coletânea não são exatamente de pessoas comuns. Não estão lá contando seus casos o padeiro da esquina, o gari, o burocrata da repartição pública, a engenheira de obras desimportantes.

Formam a turma de "Tudo Que É Belo", com poucas exceções, descolados e acadêmicos —em algum casos, descolados acadêmicos. São astrônomos, comediantes, geneticistas, roteiristas, imigrantes de países exóticos que já contaram seus dramas em livros etc.

Aos olhos deste resenhista, três histórias se destacaram.

1) O engenheiro nuclear americano que estava na usina de Fukushima, no Japão, na hora do tsunami e do desastre que se seguiu. Ele passa meses tentando descobrir se a senhorinha do restaurante próximo, a Rainha do Frango Assado, tinha sobrevivido;

2) A cientista que, a poucos dias de um importante compromisso profissional, recebe duas notícias antagônicas: que tinha sido efetivada numa posição de prestígio em Berkeley, e que seu marido tinha se mandado com uma gatinha para a Costa Rica;

3) O ator que, diante da morte certa da mãe, doente terminal, decide, junto com ela, organizar uma festa de despedida —sendo que a mãe tinha trauma de festas de despedida, por razões que o texto desenvolve muito bem.

Outros depoimentos, apesar de bem construídos, são de uma irrelevância constrangedora, como o da neurotiquinha de Los Angeles (EUA) que encasqueta com a ex do marido; e o da escritora de meia-idade que começa a achar a vida meio chata e se engraça com um garotão que conheceu numa conferência.

Mas, no geral, os relatos de "Tudo Que É Belo" são curiosos, muito bem contados e estruturados —talvez até demais, sugerindo que todos os autores fizeram seu curso de escrita criativa, e seguem todas as formulinhas que tornam uma narrativa envolvente.

Também não se esquecem do subtexto edificante —na fronteira da autoajuda—, que é a marca de The Moth e deste livro.

A facilitar a vida do leitor brasileiro, a tradução exemplar de José Geraldo Couto, que encontra com rara naturalidade o equilíbrio entre a norma culta e a língua oral.

Achados coloquiais como "primeiríssimo" (para "very first") e "tempão" (para "long time") fazem o leitor se esquecer de que lê uma tradução, tamanha a fluência do texto em português.

Muitas dessas histórias estão em áudio e vídeo (​http://bit.do/d8VzX). Vale cotejar as filmagens com a forma que tomam no papel.

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