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Descaso com a Cinemateca cria obstáculos à produção de filmes

ANTONIO VENANCIO

O Ministério da Cultura e a organização social Roquette Pinto assinaram neste mês um contrato para que a entidade se torne a gestora da Cinemateca Brasileira. A instituição detém cerca de 80% da memória audiovisual brasileira, e é responsável por sua preservação e difusão.

Fachada da Cinemateca Brasileira - Danilo Verpa/Folhapress

O Brasil adota uma política de arquivamento de imagem diferente da de outros países, que costumam usar o método mais seguro de diversificação do acondicionamento.

Aqui há concentração na Cinemateca Brasileira, o que gera risco concreto de falha de segurança com o acervo.

O formato também congestiona e deteriora a capacidade de atendimento da Cinemateca nas incessantes demandas de produções audiovisuais brasileiras que necessitam de imagens históricas para ilustrar suas produções.

Em 2002, Carlos Magalhães tomou posse como diretor-executivo do órgão e, nos 11 anos de sua gestão, modernizou essa instituição arcaica, aparelhando-a para serviços mais eficientes de arquivamento, copiagem e exibição

Ele também comandou projetos de restauração de filmes muito importantes para a nossa memória cinematográfica. A Cinemateca, nesse período, foi uma instituição de excelência, à altura das melhores que operam fora do Brasil.

Em 2013, com a destituição de Magalhães e paulatinamente da equipe que ele montou, a Cinemateca voltou a apresentar as mesmas dificuldades da maioria das instituições públicas culturais do país.

De 2013 a maio de 2015, a instituição viveu um período de interinidade, no qual funcionários abnegados e dedicados, conscientes da importância do seu trabalho e do dever essencial de servir ao público, continuaram atendendo às demandas do setor.

Não posso deixar de mencionar duas funcionárias exemplares, Vivian de Luccia e Kátia Dolin, que fizeram esse trabalho com o auxílio de colegas. Com a posse de Olga Futemma em maio de 2015, as coisas mudaram no órgão.

As duas servidoras foram afastadas e o departamento de atendimento à consulta e obtenção de materiais audiovisuais passou a ser gerido por um técnico em preservação fílmica, Rodrigo Mercês.

É um ótimo técnico, mas como operador de instituição pública parece não saber, infelizmente, que um dos pilares para o sucesso do ofício deve ser sempre o diálogo.

O trabalho de produtoras, diretores e pesquisadores audiovisuais que lidam com a instituição se tornou um pesadelo. Não há resposta para emails, telefonemas ou pendências. Alega-se falta de funcionários e de recursos.

Toda instituição pública, seja municipal, estadual ou federal, sempre está em crise. Também houve demissões no Arquivo Nacional e TV Cultura. O Museu da Imagem e do Som do Rio atrasou salários por meses, mas as solicitações que recebeu foram atendidas.

O descaso dessa gestão da Cinemateca com o atendimento e com a difusão do acervo guardado ali, tem viés político.

Isso começou oito meses antes do incêndio em um dos depósitos de filmes de nitrato da Cinemateca em 2016. Logo, não é possível atribuir o péssimo atendimento ao caso. Vale registrar que não há ameaças à preservação do acervo.

Produtoras agora precisam contratar advogados para entrarem com medidas legais a fim de obter acesso a materiais fílmicos aos quais têm direito.

A produção de uma obra de ficção sobre Wilson Simonal, portadora da autorização do detentor dos direitos patrimoniais de um filme depositado na Cinemateca, levou cinco meses sem obter acesso à cópia. A situação só mudou depois de ameaças de processos.

Há também o caso da Copacabana Filmes, detentora dos direitos patrimoniais de "Os Fuzis", que queria ter acesso a essa obra digitalizada pela Cinemateca. Passou quatro meses sem resposta. Só obteve o acesso a partir da mesma ameaça.

O mesmo ocorreu com um documentário sobre o ator e diretor Hugo Carvana realizado pela família do cineasta.

Mais triste ainda é o que acontece hoje, quando dezenas de projetos sabendo desse imbróglio desistem de obter materiais de arquivo, em detrimento de terem um projeto final melhor. Afinal, qual é a vocação dessa instituição?

Senhor ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, a Cinemateca Brasileira é uma instituição primordial para a nossa cultura, e essa importância vai muito além das atitudes desrespeitosas da direção atual com profissionais e cidadãos brasileiros que trabalham com material de arquivo.

Esperamos sinceramente que, com o contrato com a Roquette Pinto, seja nomeada uma gestão. Já não é mais possível recorrer a advogados a cada pesquisa ou pedido.

A Cinemateca é uma instituição federal e tem a obrigação de cumprir o seu papel de fornecer acesso, dentro das vias legais e preceitos de preservação, a todo o seu acervo.

A falta de verba não pode ser motivo para a falta de respeito com produtores, diretores, pesquisadores audiovisuais e qualquer cidadão brasileiro.

ANTONIO VENANCIO é pesquisador audiovisual, participou de filmes como 'No Intenso Agora', 'Imagens do Estado Novo 1937-1945', 'A Música Segundo Tom Jobim, ‘Hélio Oiticica’, ‘Dossiê Jango’ e ‘Tropicália’

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