Descrição de chapéu artes plásticas

Editora Ubu lança livro sobre obras do artista plástico Cildo Meireles 

Publicação reúne análises de críticos feitas ao longo de sua carreira de mais de cinco décadas

O artista plástico Cildo Meireles durante entrevista concedida à Folha
O artista plástico Cildo Meireles durante entrevista concedida à Folha - Marlene Bergamo/Folhapress
Isabella Menon
São Paulo

Cildo Meireles, 70, não é fã de conceder entrevistas. “Digamos que não é minha coisa preferida da vida. Tem dia que a gente acorda virado, não sabe o que está falando, abre o jornal e se pergunta ‘nossa, eu disse isso mesmo?”, diz o artista plástico à Folha.

Com mostras já apresentadas no MoMA, de Nova York, e no Reina Sofía, de Madrid, Cildo é reconhecido como um dos mais importantes artistas brasileiros.

A fim de esmiuçar a origem e o sucesso do trabalho do artista, a editora Ubu lançou o livro “Cildo: Estudos, Espaço e Tempo”, que explica os projetos que deram origem às suas obras. Além disso, o livro reúne análises de críticos publicadas ao longo da carreira de mais de cinco décadas.

O texto que abre a sessão dos críticos é de 1969, do jornalista Frederico Morais, do Diário de Notícias, e marca o início do reconhecimento do artista e de sua obra.

Curiosamente, por erro na impressão, o nome do artista foi então grafado como “Gildo”, ao invés de “Cildo”. “Já falei para o Frederico que ele está igual a mim: gagá.”

Na época da publicação, o jornalista escreveu que Cildo não era exposto em galerias porque suas obras não se adequavam aos sistemas tradicionais de exposições.

“Nessa época, não tinha sistema de arte no Brasil”, diz o artista, hoje representado pela galeria Luisa Strina.

“Eu sou da geração que cresceu execrando museus, com o mesmo preconceito que a maioria da população ainda tem: achava que eram lugares de múmias e gente morta”, adiciona. Em sua visão, “as pessoas se adaptaram ao desenvolvimento da arte.”

GERAÇÃO COCA-COLA

O carioca Cildo viveu em diferentes cidades, como Belém, Goiânia e Brasília, em razão das atividades de seu pai, que era indigenista.


Torcedor do Fluminense, tem seu jeito descontraído muitas vezes relacionado, nos textos que compõem o livro, ao do francês Marcel Duchamp (1887-1968).


“Eu acho que todos os artistas dos anos 1970 esbarraram em Duchamp”, diz Cildo sobre o artista precursor do ready-made, artefato produzido a partir da apropriação de artigos do cotidiano.

 "Inserções em Circuitos Ideológicos: Projeto Coca-Cola", trabalho dos anos 1970 com críticas à ditadura e aos EUA
"Inserções em Circuitos Ideológicos: Projeto Coca-Cola", trabalho dos anos 1970 com críticas à ditadura e aos EUA - Wilton Montenegro/Divulgação

Porém o carioca acredita que suas obras reflitam o oposto do ready-made, já que modificam o objeto e os reintroduzem em circulação.

É esse o caso de “Inserções em Circuitos Ideológicos: Projeto Coca-Cola” (1970). Idealizado durante a ditadura militar, o famoso projeto consistiu na impressão de mensagens críticas sobre a política brasileira e o intervencionismo norte-americano nas garrafas do refrigerante.

Outro projeto famoso foram as cédulas carimbadas com a frase “Quem Matou Herzog?”, em referência à morte do jornalista Vladimir Herzog (1937-1975) nas mãos dos militares.

Nos anos que se seguiram, sempre que sentia necessidade, o artista retomava o trabalho —como  em 2013, quando carimbou notas inquirindo sobre o paradeiro do pedreiro Amarildo de Souza, sequestrado e torturado por policiais na favela da Rocinha.

PRECONCEITO E CENSURA

No século 19, era comum ouvir a expressão “idiota como um artista”. Para  Cildo, responder a ela foi uma das contribuições de Duchamp: “ele conseguiu mostrar que os artistas não são idiotas... Quer dizer, tirando alguns que realmente são, como o Romero Britto”, diz, aos risos.

O artista crê que o mundo artístico ainda seja muitas vezes ligado à superficialidade. “Quadros devem ser objetos de quinta necessidade, ninguém deixa de comer para comprar uma obra.”

“Sempre que obras aparecem nas novelas, são de forma glamorizada. Mas sempre que alguém que ainda não é tão conhecido escreve que é artista plástico, as pessoas olham torto”, diz o artista.

Integrante de uma geração de artistas que combateu o AI-5, Cildo lamenta a onda de protestos orquestrados por conservadores contra exposições no Brasil, como os que levaram ao cancelamento da mostra “Queermuseu”, em Porto Alegre, em 2017.

“É essa a mentalidade das pessoas que têm intenção de votar no Jair Bolsonaro”, diz, referindo-se ao deputado que visa disputar a Presidência. 

Entretanto Cildo não acredita que ele ou Lula (PT), que lideram as pesquisas, serão eleitos em outubro deste ano.

“As pessoas só olham para as pesquisas que mostram as intenções de votos, mas não percebem que o que decide uma eleição é o índice de rejeição, e, o deles [Lula e Bolsonaro] é muito alto.”

DÍVIDAS EM INHOTIM

Cildo tem uma galeria dedicada às suas instalações em Inhotim. Em 2017, o criador do instituto mineiro, Bernardo Paz foi condenado por lavagem de dinheiro.

Com dívidas de R$ 150 milhões com o governo de Minas Gerais, Paz tentou dar em pagamento obras do instituto, entre elas duas de Cildo

“Quando vi o quanto ele devia, pensei comigo mesmo: é melhor o Bernardo esperar alguns anos para essas obras se valorizarem mais.”

 

Cildo: Estudos, Espaço e Tempo

AUTORES: vários (org. Diego Matos e Guilherme Wisnik)
EDITORAUbu
QUANTO: R$ 120 (304 págs.)
 

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.