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Em navio cargueiro, inglesa refaz rota de comércio escravo

Selina Thompson viajou da Bélgica a Gana, e depois até a Jamaica, para criar espetáculo 'sal.'

MLB
São Paulo

"sal." é como um escape para um grito desesperado, explica sua criadora, a britânica Selina Thompson. O espetáculo, que terá quatro sessões a partir desta quarta-feira (7) na MITsp - Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, mescla a experiência da própria autora com o histórico da escravidão.

Selina, 27, nasceu em Birmingham, na Inglaterra. Seus pais biológicos eram rastafáris que se mudaram da Jamaica para o Reino Unido na juventude. Já os pais adotivos são filhos de jamaicanos e monserratenses.

Em parte por suas origens, a artista fez do processo de criação de "sal." um retorno ao passado. Recriou a rota de comércio de escravos, viajando por dois meses, no início de 2016, num navio cargueiro. Foi da Bélgica a Gana, e depois até a Jamaica.

"Estava interessada na vida daqueles marinheiros, em como eles conseguiam lidar com aquele ambiente duro, todo de metal", relata Selina à Folha, por email.

"Queria fazer um espetáculo que colocasse o Reino Unido e a Europa de forma bem clara no triângulo de comércio de escravos, já que a maneira como a história foi escrita muitas vezes esconde esse papel europeu", diz.

Mas fala do trajeto —feito ao lado de uma cineasta, que registrou cenas do período— como uma experiência horrível, em que lidava com a misoginia e o racismo dos tripulantes, além da sensação de claustrofobia dentro da embarcação inóspita.

"Acho que você nunca consegue se preparar para uma viagem como essa", diz.

PERFORMANCE

O resultado é uma espécie de expurgo. Apesar de remeter à história da escravidão, é um trabalho que conversa com o presente e os resquícios de regimes escravocatas, comenta a artista.

Selina flerta com a performance. Em trabalhos anteriores, criou um vestido a partir de um bolo e fez uma peruca gigante com frutas de plástico e fotos de família.

Sozinha em cena, coloca em "sal." uma mescla de teatro e documentário histórico.

"Minha intenção era fazer uma montagem que falasse do mundo pós-colonialismo, mas que não dependesse de mostrar o negro como um abjeto", afirma. "E queria falar como a raça e suas hierarquias são recriadas e mantidas a cada geração, tendo uma violência implícita ali."

Dirigida por Dawn Walton, a artista começa a apresentação contando suas próprias origens ("eu sou uma mulher, eu sou uma artista, eu sou negra") e o processo de criação da peça. Logo alterna as narrações com momentos mais performativos.

Por vezes, arrasta objetos no seu vestido branco, como se carregasse o peso da história. Noutras, quebra blocos inteiriços de sal, num processo braçal e exaustivo que transforma aquelas pedras em grãos de areia.

 

SAL.

QUANDO qua. (7) e qui. (8), às 21h30, sex. (9) e sáb. (10), às 20h —a sessão de sábado será seguida de conversa com Ana Maria Gonçalves

ONDE Itaú Cultural - auditório, av. Paulista, 149, tel. (11) 2168-1777/ 2168-1777

QUANTO grátis; ingressos serão distribuídos uma hora antes do espetáculo, com limite de uma entrada por pessoa (e duas horas para público preferencial, que tem direito a um acompanhante)

CLASSIFICAÇÃO 14 anos

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