Descrição de chapéu Globo de Ouro

'Em Pedaços' investiga o que leva à justiça com as próprias mãos

Longa de Fatih Akin retrata mulher que reage à morte de familiares

Cannes (França)

Há uma curiosa semelhança entre dois filmes em cartaz no país, o alemão "Em Pedaços", vencedor do Globo de Ouro de longa estrangeiro, e o britânico-americano "Três Anúncios para um Crime".

Ambos têm como protagonista uma mãe que vive o luto devido ao assassinato de parente próximo e que encampa vingança ao se ver desamparada pelas instâncias oficiais.

Cena do filme 'Em Pedaços', de Fatih Akin
Atriz Diane Kruger vive mãe que perde o filho, interpretado por Rafael Santana, e o marido - Divulgação

Mas se em "Três Anúncios" o rancor é direcionado às instituições (a polícia), no longa alemão a ira se volta aos perpetradores do crime.

"Em Pedaços" acompanha Katja, uma alemã que perdeu o marido, um descendente de curdos, e o filho pequeno de ambos num atentado cometido por um grupo neonazista —grande inversão étnica quando comparada a obras americanas sobre terrorismo.

O diretor, o hamburguês filho de turcos Fatih Akin, já figurou numa lista de potenciais alvos elaborada por uma organização de neonazistas.

"Encarei aquilo como um elogio. Se estavam enfurecidos é porque eu devia ter feito tudo corretamente. Meu trabalho é incomodá-los", diz o diretor de filmes que em geral enfocam personagens migrantes, caso de "Soul Kitchen" e "Do Outro Lado".

Para o novo longa, Akin se inspirou nos autos do processo contra o NSU, grupo alemão de orientação hitlerista que cometeu uma série de assassinatos contra imigrantes no começo dos anos 2000.

"Mais do que acrescentar ao debate [sobre o neonazismo na Alemanha], espero que o filme crie um debate, que hoje não existe", disse o diretor à Folha, no último Festival de Cannes, em maio de 2017. "Há um escândalo político por trás disso."

Ele se refere às revelações, que vieram à tona em 2012, de que o serviço secreto alemão destruiu arquivos ligados ao grupo de supremacistas horas antes de ter que entregá-los à Justiça.

Para Akin, o nacionalismo alemão é "mais intenso" do que se leva a crer fora do país. "O número oficial já é grande, mas há subnotificações: casos de agressões que não são classificados como crimes de ódio."

O vaivém judicial ocupa parte considerável da história. E Akin deixa claro não acreditar firmemente no sistema jurídico de seu país. "Acredito na Justiça como parte fundamental da democracia. Seu poder, contudo, tem limites."

O roteiro se atém ao momento em que os tais limites se impõem, e a "ideia de uma justiça individual colide com a da oficial", como descreve Akin.

Vencedora do prêmio de melhor atriz em Cannes, Diane Kruger interpreta Katja, a mãe enlutada que opta por se vingar por conta própria. A temática assustou patrocinadores, diz Akin, e parte da crítica.

"Quando americanos ou coreanos fazem filmes sobre vingança, a motivação é pouco explorada. O que me interessava era explorar os estágios que levam alguém a essa atitude extrema."

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