Descrição de chapéu Lollapalooza

Festival ecoa discursos contra armas e relembra Marielle

Sem arriscar muito na escolha das atrações principais, evento termina sem surpresas ou gafes 

Liam Gallagher se apresenta no palco principal do autódromo de Interlagos
Liam Gallagher se apresenta no palco principal do autódromo de Interlagos - Bruno Santos/ Folhapress
São Paulo

Teve bastante música, mas a sétima edição brasileira do Lollapalooza, que terminou neste domingo (25), também abriu espaço para homenagens a personalidades como Marielle Franco e discursos contra armas e violência.

No geral, a edição não apresentou grandes problemas comparada a anos anteriores. O sistema de pulseira eletrônica, que funciona como cartão para compras no evento --motivo de reclamações em 2017--, funcionou.

Não houve longas filas para banheiros e esperas descomunais nas barracas de alimentação, bem espalhadas ao redor do autódromo de Interlagos (SP). Mesmo assim, no domingo, o público chegou cedo ao evento, e os caixas para carregar o sistema de pulseira ficaram com filas grandes, maiores do que nos dois dias anteriores.

O Lollapalooza arriscou pouco na escolha das atrações principais —trouxe novamente bandas como Pearl Jam e The Killers, que já haviam se apresentado no festival— e patinou ao não incluir mulheres entre elas, com exceção de Lana Del Rey, que se apresentou antes do The Killers.

A seleção de artistas se mostrou eficaz em reunir multidões, especialmente durante o sábado e o domingo, visivelmente mais lotados do que a sexta-feira, ainda que a organização confirme a presença de 100 mil pessoas em cada um dos três dias.

A pouca ousadia entre os headliners foi compensada com uma programação diversa, que contemplou veteranos (David Byrne) e revelações (o jovem Khalid). Assim, agradou a múltiplas gerações e preferências musicais.

Entre as apresentações, destaque para Pearl Jam, LCD Soundsystem, Chance the Rapper, The National, Mano Brown, Rincon Sapiência e Mallu Magalhães.

Em alguns casos, o festival subestimou atrações e prejudicou o público, como no show do Imagine Dragons, que reuniu uma multidão em palco secundário quando teria sido melhor alocado no principal.

A solução foi ocupar também o espaço do palco vizinho, mas o som não chegava bem àqueles que estavam na periferia do descampado —situação também vivenciada por fãs de Red Hot Chili Peppers, este, no palco principal.

A principal falha técnica implicou na interrupção precoce da apresentação de Liniker, que tocou apenas quatro músicas completas.

A nova disposição dos palcos, que aproximou os espaços secundários Axe e Onix, permitiu que o público se movimentasse bem entre um e outro, aproveitando a programação intercalada. O esquema também facilitou a circulação no imenso autódromo.

Para se ter ideia da dimensão do local, uma repórter da Folha caminhou 30 km durante os três dias de eventos (39.523 mil passos no total).

DISCURSOS

A vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), morta a tiros no último dia 14, foi lembrada por artistas como o rapper Rincon Sapiência, Jesuton e até a cantora sueca Zara Larsson, que dedicou uma de suas canções àquela que "lutou pela justiça e contra a brutalidade policial e inspirou pessoas não só aqui, mas no mundo todo."

As bandas Luneta Mágica e Selvagens à Procura de Lei prestaram tributo ao produtor musical Carlos Eduardo Miranda, morto na quinta-feira (22), véspera do festival.

A marcha pela vida, contra a violência derivada do uso de armas, que mobilizou parte da população norte-americana no sábado, também reverberou em Interlagos.

"Estamos mudando o mundo para melhor. Nós veremos mudanças nos Estados Unidos com relação ao porte de armas e nos sentiremos seguros nas ruas", disse Eddie Vedder, durante show do Pearl Jam, um dos melhores do evento. "Sei que nosso país é semelhante ao de vocês em muitas coisas, há muita merda acontecendo."

Era a segunda vez que o tema aparecia naquela noite. Antes, na apresentação do Imagine Dragons, o cantor Dan Reynolds fez discurso emocionado. "Eu venho com um coração partido e um país dividido, estou cansado de perder nossas crianças para as armas, cansado do que acontece nas nossas escolas", disse. (AMANDA NOGUEIRA, DAIGO OLIVA, MARCO AURÉLIO CANÔNICO, SARAH MOTA RESENDE, THALES DE MENEZES, THIAGO NEY E VICTORIA AZEVEDO)


TOP 5

Confira as críticas dos cinco melhores shows do festival

LCD SOUNDSYSTEM

O LCD Soundsystem já veio diversas vezes ao Brasil, e o show neste Lollapalooza está entre os mais memoráveis da banda por aqui. Os músicos estavam nitidamente empolgados e o público, enorme, entrou no clima.

Um dos grupos mais inventivos dos anos 2000, o LCD fez referências a lendas como Kraftwerk e Daft Punk e embarcou o público em uma viagem pelos últimos 40 anos da música pop em versões vigorosas. Uma banda que faz músicas complexas, nada óbvias, mas que ao vivo fazem todo o sentido do mundo.

DAVID BYRNE

Se a escalação do Lollapalooza desse ano fosse o Barcelona, David Byrne seria o Messi: o craque do time. Com ele em campo, o nível do festival ficou muito mais alto. Artista multifacetado, Byrne fez uma apresentação performática, coreografada, elegante e moderna em sua sonoridade. Acompanhado por 11 músicos, construiu um show escorado nas canções de sua ex-banda, o Talking Heads, com inserções de seus trabalhos solos. Sua mistura de ritmos fez a plateia balançar em canções como "I Zimbra", "Toe Jam" e "Burning Down the House". Só bola dentro. 

PEARL JAM

O carisma de Eddie Vedder, um entrosamento absurdo entre músicos ótimos e veteranos, alguns clássicos do grungecancões obscuras poderosas e um cover alucinante da belíssima "Comfortably Numb", do Pink Floyd. Não falta motivo para classificar o show do Pearl Jam como antológico. Como sempre, um repertorio vibrante, que resgatou até música que foi apenas lado B de single, como "Wash" (1991), que abriu a noite. E foi a apresentação do festival que mais intensamente misturou gerações na plateia. Rock de verdade é atemporal. 

The National

Diferentemente da maioria das atrações do Lolla, o National fez show sombrio, no qual desfilou sua melancolia elegante. Fez apresentação vigorosa, puxada pelas canções do sétimo e mais recente álbum da banda, "Sleep Well Beast" (2017). A voz de barítono de Matt Berninger guia o pós-punk do grupo. É como se Leonard Cohen tivesse sido vocalista do New Order, ainda que de um jeito mais roqueiro. Mesmo nas músicas mais lentas, a banda entregou intensidade. O show termina com os guitarristas empunhando os instrumentos para o alto, ao som do trompete de "Fake Empire".

Chance the Raper

Chance the Rapper não fez um show, fez uma pregação. Em sua primeira passagem pelo Brasil, ele se mostrou à frente de uma corrente do rap edificante. Exibiu versos bem bolados, corais gospel e a letras alto-astral, que enaltecem o senso de comunidade e transmitem mensagens de que a vida pode melhorar. Já na abertura, cantou "Mixtape", que faz referência à origem de sua carreira. A ideia de alegria cristã está lá, mas Chance atinge também os fãs agnósticos ao sintetizar elementos do jazz e soul em uma embalagem mais pop do hip-hop. Muitos saíram convertidos. 

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