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Livros

'Floresta Escura' aborda expansão infinita do que não entendemos

Em obra brilhante de Nicole Krauss, Kafka forja a morte e vira jardineiro 

CAMILA VON HOLDEFER

floresta escura

  • Preço R$54,90 (304 págs.)
  • Autor Nicole Krauss
  • Editora Companhia das Letras
  • Tradução Sara Grunhagen

A capa do novo livro de Nicole Krauss, "Floresta Escura", traz um elogio de Philip Roth. "Um romance brilhante", diz ele. E não exagera. A escolha de uma frase dele não é aleatória, já que as semelhanças entre o universo dele e o dela não se limitam ao judaísmo.

Recursos e temas que surgem na obra de Roth, como o papel de um duplo (doppelgänger), investigações das estruturas e limites da ficção e a análise do ofício do escritor também estão em "Floresta Escura". Em especial, há Kafka.

Autora americana Nicole Krauss, 43, posa durante feira do livro na Escócia no ano passado - Roberto Ricciuti/Getty Images

Roth escreveu livros essencialmente kafkianos, como "O Seio", mas não se limitou a emular o estilo e o imaginário do outro. No texto "Looking at Kafka", incluído em "Reading Myself and Others", Roth fez com que Kafka emigrasse para os EUA e virasse professor de hebraico em Nova Jersey.

No romance de Nicole Krauss, Kafka forja a própria morte em 1924 e, mesmo debilitado pela tuberculose, parte para Israel com o auxílio de um complicado esquema. Lá, passa o resto da vida como o jardineiro Anshel Peleg.

Se a segunda identidade de Kafka é pura fantasia, muita coisa em "Floresta Escura" tem base concreta. É o caso dos escritos inéditos dele, objeto de especulação e controvérsia. O fato é que Max Brod, encarregado de destruir os papéis de Kafka pelo próprio, publicou só parte do que preservou.

O testamento de Brod —que morreu em Tel Aviv em 1968— dá margem para que a secretária e provável amante, Esther Hoffe, decida o destino do material. As disputas judiciais que se seguiram entre Eva Hoffe, filha de Esther, e a Biblioteca Nacional de Israel são parte importante do livro.

Metamorfose

Partindo da pretensa guinada brusca no destino de um escritor fundamental, Krauss examina as maneiras de narrar e de explicar uma vida. Kafka, sua lenda e suas obras, é uma espécie de fio condutor moral e espiritual de "Floresta Escura".

O que se tem é um romance sobre anseio, curiosidade, transformação e recomeço. Como nos livros anteriores dela, os personagens estão ligados de forma sutil. Trajetórias se espelham. A escritora Nicole, 39, atravessa uma crise conjugal e outra criativa. O advogado Jules Epstein, 68, desaparece misteriosamente após doar a maioria dos bens.

Note que o nome Jules ecoa a sonoridade da palavra "judeus" em inglês, "jews".

Tradicional, a narrativa em primeira e terceira pessoa mostra atitudes epistemológicas distintas, contrárias ou complementares, que podem surgir no mesmo parágrafo ou frase.

Os protagonistas hesitam entre ceticismo e abertura, entre forjar um sentido ou aceitar o mistério e o caos, entre voltar a atenção para a realidade imediata ou para o que está oculto.

A intenção de Krauss —mostrar "a expansão infinita de incompreensão que cerca a minúscula ilha daquilo que conseguimos compreender"— requer um equilíbrio delicado, que só pode ser regulado por uma escritora segura. O resultado é excepcional.

Borrando linhas e fronteiras, ela tenta superar as formas, ou seja, aquilo que fornece coerência e sustentação —muitas vezes ilusórias— a um texto ou vida humana.

O final deixa muita coisa aberta, permitindo ao leitor fornecer as próprias soluções. "Pois o que é uma pergunta senão um espaço vazio? Um espaço que busca ser preenchido de novo com sua porção do infinito?", indaga Krauss.

Pelo controle perfeito do que diz e do que oculta, "Floresta Escura" é a literatura construída com brilhantismo —que vem da segurança de ter o que dizer e de saber como dizer.

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