'Górgona' é coerente com o estilo vigoroso e inquieto de Maria Alice Vergueiro

Fábio Furtado e Pedro Jezler, diretores do documentário, acompanharam a atriz em bastidores de peça

Naief Haddad
São Paulo

Górgona

  • Classificação 14 anos
  • Produção Brasil, 2016. 77 min
  • Direção Pedro Jezler e Fábio Furtado

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Havia um jeito bem mais fácil de retratar Maria Alice Vergueiro, uma das grandes atrizes da história do teatro paulista.

Com uma carreira de mais de 30 peças e passagens por grupos relevantes, como Oficina e Ornitorrinco, ela poderia ser tema de um documentário afeito às convenções, com dezenas de depoimentos de amigos e fotos antigas. Talvez até se tornasse uma homenagem digna, mas com o efeito de circunscrever o trabalho da atriz ao passado.

Não há nada disso em “Górgona”, filme que acaba de entrar em cartaz. Os jovens Fábio Furtado e Pedro Jezler tomam outro rumo, mais ousado e, assim, coerente com o estilo vigoroso e inquieto de Maria Alice.

Acompanharam a atriz ao longo de cinco anos nos bastidores do espetáculo “As Três Velhas”. Furtado e Jezler estão atentos à capacidade dela de conciliar direção e interpretação nessa peça do chileno Alejandro Jodorowsky. Mas não só. Há ainda o fato de que o trabalho tenha se desenvolvido com Maria Alice já na casa dos 80 anos e acometida pela doença de Parkinson.   

Ao optar por um caminho heterodoxo para retratá-la, os diretores se expõem mais aos erros, que não são poucos. Do ponto de vista da fotografia, especialmente na primeira metade, o filme cai em exercícios estéticos inócuos ao mirar ângulos dos bastidores teatrais.

É de se notar ainda uma questão moral. Artista corajosa, que se fortalece continuamente com o humor, Maria Alice não é do tipo que pede piedade em meio à decadência física. Nesse sentido, é um equívoco da direção se estender na cena em que dois homens ajudam a atriz a subir uma escada vagarosamente.      

Mas os acertos prevalecem. Como numa colagem, fragmentos mostram a atmosfera fraterna e, por vezes, sagrada do camarim. Sem um tom de comiseração, outras passagens evidenciam as dificuldades financeiras do teatro alternativo.

Há, sobretudo, um olhar sutil para a devoção da atriz aos palcos e para a sua força dramática. Em várias passagens, paira a dúvida: ela está, de fato, revelando questões muito particulares para a câmera ou interpretando? Essa ambiguidade é um presente para o público de “Górgona”.

O nome do filme, aliás, é um achado. Górgonas eram figuras da mitologia grega com ninhos de serpente no lugar dos cabelos. Tinham o poder de transformar em pedra aqueles que as olhassem.

Enquanto é maquiada, Maria Alice diz: “Eu entro no teatro e começo a tremer. É impressionante. A serpente entra em mim”.  

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