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Artes Cênicas teatro

Grupo Tapa acerta ao propor atuação realista em peça absurda

Atores e atrizes desenvolvem a cena a partir de ações objetivas em 'A Cantora Careca'

Paulo Bio Toledo
São Paulo

A CANTORA CARECA

  • Quando sex., às 20h30, sáb., às 19h; até 14/4
  • Onde Teatro Aliança Francesa, r. General Jardim 182, tel. (11) 3572-2379
  • Preço R$ 50
  • Classificação 14 anos

O espetáculo "A Cantora Careca" do Grupo Tapa é um trabalho excelente de montagem da peça escrita pelo dramaturgo romeno Eugène Ionesco em 1949, poucos anos após o fim da Segunda Guerra, e que tornou-se um expoente exemplar da ideia de "Teatro do Absurdo".

A força da montagem se deve ao tipo de atuação praticado pelo grupo. Em um belo trabalho coletivo na cena, o elenco sustenta uma escolha realista no registro de interpretação, apesar de a peça acumular cenas e situações deliberadamente irreais e absurdas.


Clara Carvalho (esq.), Guilherme Sant'Anna e Emilia Rey em 'A Cantora Careca' - Lenise Pinheiro/Folhapress

Ao invés de interpretarem as personagens de forma caricata para enfatizar a falta de sentido de suas falas e gestos, os atores e atrizes desenvolvem a cena a partir de ações objetivas e realistas, buscando motivações concretas por trás de cada circunstância da peça.

Parece um contrassenso, mas esta opção faz com que a desconexão lógica do texto de Ionesco não apareça somente como decorrência de personagens excêntricas e meio malucas. A absurdidade que atravessa a peça passa a se referir a toda uma sociedade de hábitos, comportamentos e valores igualmente absurdos.

Para o autor romeno, o pequeno-burguês europeu viveria reproduzindo ritos cotidianos sem qualquer sentido e às voltas com idiossincrasias ridículas. O absurdo das cenas refletiria uma sociedade perdida em padrões aleatórios, cujos cidadãos tornam-se cada vez mais idênticos entre si, como os dois casais que protagonizam a peça ou a família em que todos os membros chamam-se Bobby Watson.

Por mais estranhas que sejam as situações da obra, a energia ali está em forçar o público a ver uma imagem distorcida de si mesmo naquelas situações cada vez mais absurdas.

A montagem do Grupo Tapa, valendo-se de uma cena simples e da objetividade das atuações, acerta o ponto decisivo da dramaturgia de Ionesco e alcança grande rendimento estético. Apesar disso, parece existir um respeito excessivo com a obra original, o que impede o grupo de ter uma atitude mais autoral no gesto de adaptação.

Embora a proposta da encenação busque associar os temas da peça com este nosso presente hipnotizado pelo mundo virtual de smartphones e redes sociais, é uma tentativa muito tímida e sem grandes consequências no desenvolvimento do espetáculo.

Faz falta ali um espírito mais livre e irreverente na adaptação do texto. De modo que o espetáculo seja mais do que uma boa montagem de um clássico e tente intervir em seu tempo, como fez a peça de Ionesco quase 70 anos atrás.

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