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HQ 'Uma Irmã' bate na fronteira da fantasia erótica, sem transpô-la

'Uma Irmã' trata do sexo adolescente de um jeito raramente visto, e não apenas por ser explícito

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São Paulo

O olhar masculino anda mal visto. A expressão "male gaze", que surgiu na crítica de cinema, trata do fato de que a representação da mulher em filmes frequentemente é pautada pelo olhar do homem, tanto nos planos que objetificam o corpo feminino quanto na psicologia das personagens.

O ponto de vista masculino é forte na literatura, na televisão, nos games, nos quadrinhos. Em tempos recentes, também se vê o movimento contrário à perspectiva XY majoritária. Perspectivas femininas, preferencialmente por autoras/diretoras/produtoras, estão em um momento de voga comercial, que se espera que equilibre a representatividade.

Nos quadrinhos, especificamente, o movimento pelo olhar feminino é forte na última década. É de uma quadrinista, Alison Bechdel, o dito Teste Bechdel: o teste julga que um filme, livro, HQ etc. tem mínima representatividade XX se (1) tiver mais de uma personagem feminina e (2) que estas personagens conversem (3) sobre um assunto que não seja homem.

É incrível a quantidade de obras que não passam nos três mínimos requisitos.

"Uma Irmã", do francês Bastien Vivès, passa ali-ali no Teste Bechdelcom duas mães, coadjuvantes bem de fundo, conversando sobre aborto. É, porém, uma perspectiva despudoradamente masculina do início ao fim. Mas não a esperada ou comum.

Detalhe da HQ 'Uma Irmã', de Bastien Vivès
Detalhe da HQ 'Uma Irmã', de Bastien Vivès - Divulgação

O olhar é de um garoto de 13 anos, Antoine, que vai passar as férias com a família numa praia francesa. De repente está dividindo a casa e o quarto dos beliches com uma garota, Hélène, de 16, filha de amigos da família.

Sim: como mandam os hormônios, o clima praiano e quase toda Sessão da Tarde, o garoto de treze fica embasbacado diante da garota de dezesseis. É o primeiro deslumbramento, o despertar sexual, o descontrole das ereções.

A história, porém, não acaba com um beijinho escondido no fim das férias. Tal como A Lagoa Azul quebrando o celibato nas Sessões da Tarde, Uma Irmã é aberto ao sexo adolescente de um jeito raramente visto. Não apenas por ser explícito, mas por bater na fronteira da fantasia erótica, sem transpô-la.

Não é o sexo de corpos perfeitos que se vê nas HQs de um Manara, nem a crueza safada de um Crumb ou Giovanna Casotto. No trabalho de Vivès, o sexo é com mãos, pelos e fluidos, mas antes dessas versões idealizadas do que acontece na cama (ou atrás de um arbusto). É realista e, a seu modo, não deixa de ser bonito.

O leitor acompanha o olhar de Antoine caindo repetidamente em decotes, coxas e no rosto de Hélène. Não há trilha sonora nem câmera lenta para sublinhar estes momentos, então o ressalte fica por conta dos enquadramentos e da quadriculação extremamente competentes de Vivès, que guia o olhar pelas ênfases que quer.

Vivès também é de uma economia invejável no traço. Hélène arruma o cabelo atrás da orelha com cinco, seis linhas. Parece que o tempo para naquele movimento. O autor herda do mangá a prática de não desenhar os olhos dos personagens quando estão à mínima distância. Quando aparecem, em contrapartida, os olhos vêm penetrantes.

O traço ganha mais detalhes quando quer um olhar mais atento do leitor. Tal como na ultimíssima cena, em que a perspectiva masculina, do protagonista, é não apenas a imagem em si, mas pode-se considerar o arremate da trama. Praticamente a moral da história: são elas que nos (homens) salvam.

Uma Irmã

  • Preço R$ 47,90 (216 págs.)
  • Autor Bastien Vivès
  • Editora Nemo
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