Descrição de chapéu Artes Cênicas

Lage e Frateschi releem peça de Friedrich Dürrenmatt após 30 anos

Diretor e ator fazem em SP nova montagem de 'Diálogo Noturno com um Homem Vil'

MLB
São Paulo

Trinta anos depois de encenar "Diálogo Noturno com um Homem Vil", o diretor Roberto Lage e o ator Celso Frateschi retomam a peça do suíço Friedrich Dürrenmatt.

Para a nova montagem, em cartaz no Sesc Ipiranga, em São Paulo, partiram de uma nova concepção, buscando reflexos do texto, escrito em 1952, com a atualidade. "Mesmo porque eu nem lembro muito bem como foi a versão anterior", brinca Lage.

Ailton Graça (esq.) e Celso Frayeschi (dir.) em cena do espetáculo ‘Diálogo Noturno com um Homem Vil’ - Lenise Pinheiro/Folhapress

Dürrenmatt coloca em cena um escritor e seu carrasco. Mas o que seria um encontro rápido e violento acaba se transformando numa longa conversa sobre a vida, a sociedade, a justiça e a liberdade.

Também questiona valores e papéis sociais. Quando o carrasco chega para matar o escritor, tem um bom motivo (uma ordem estatal), mas ao longo dos diálogos essa razão perde o sentido, diz Lage.

"Acho isso de uma grande pertinência para o momento em que a gente está vivendo, de valores invertidos, de discussão do que é justiça."

Frateschi, que na primeira montagem interpretou o escritor (papel pelo qual venceu o Prêmio Shell de Teatro), agora vive o carrasco.

"Ele não é um facínora, matar é a função dele", comenta o ator, que vê no personagem reflexos da banalidade do mal, termo cunhado por Hannah Arendt e que descreve o agir sem reflexão, obedecendo à burocracia do Estado.

O papel de escritor agora fica a cargo de Aílton Graça. A presença do ator, que é negro, também intensifica questões políticas e sociais, diz Lage.

Graça afirma que buscou no personagem referências a personalidades políticas como Nelson Mandela e Martin Luther King. "Essas pessoas foram perseguidas. E temos, no personagem, essa questão desse negro pensador. A minha base é a filosofia ubuntu [que se ligou à história da luta contra o apartheid]."

O cenário de Sylvia Moreira cria à frente um espaço realista, como um escritório desse intelectual. Ao fundo, há um painel com escadarias do artista holandês Escher.

É ao mesmo tempo um espaço labiríntico e metafísico. "São escadas que caminham, mas nenhuma delas diz para onde", afirma o diretor. "Isso representa muito o que estamos vivendo hoje, no Brasil e no mundo. É um momento em que não sabemos para onde estamos indo."

Pouco antes da estreia da peça, no último dia 16, a equipe reforçou o tom político do trabalho. Entre os pertences desse escritório cênico, foi colocado um retrato de Marielle Franco, vereadora do Rio (PSOL) morta a tiros no dia 14 de março.

Ao fim de cada sessão, eles fazem uma homenagem à parlamentar, negra, ativista de direitos humanos e crítica da violência policial.

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