'Livros podem ser perigosos', afirma diretora Isabel Coixet

Como sua protagonista no longa 'A Livraria', cineasta defende impacto causado pela literatura

Guilherme Genestreti
Berlim

Provincianismo inglês, batalha de rumores, receio do estrangeiro. Muito do que há no filme "A Livraria", de Isabel Coixet, parece querer dizer algo sobre o "brexit" e a ascensão de certo conservadorismo no Reino Unido. Mas a diretora catalã é enfática em negar mensagens ocultas.

A cineasta catalã Isabel Coixet - Francisco Seco/AP

"Respeito diretores como Ken Loach, mas o meu interesse não é transformar mensagens em discursos", disse ela à Folha no último Festival de Berlim, que abrigou o longa em sua programação. "O filme é mais sobre a banalidade do mal, as dificuldades em ser uma pessoa boa e os perigos da ingenuidade."

Ingenuidade, no caso, de Florence Green (Emily Mortimer), viúva que se muda para uma cidadezinha costeira na Inglaterra em fins dos anos 1950. Ali, ela resolve abrir uma livraria, mas encontra resistência ferrenha dos poderosos locais.

A trama é inspirada no romance homônimo escrito em 1978 por Penelope Fitzgerald. O longa estreia após vencer o Goya (prêmio do cinema espanhol) de melhor filme, direção e roteiro adaptado.

"A Livraria" opõe o progressismo iluminista da protagonista ao conservadorismo dos que disfarçam sua indisposição sob o manto de uma polidez passivo-agressiva. Quando chega à cidade uma remessa de volumes do romance "Lolita", de Nabokov, o puritanismo acirra ainda mais os ânimos.

A oposição aos esforços de Florence é personificada na figura de Violet Gamart (Patricia Clarkson), grã-fina que deseja transformar a casa que sedia a livraria num centro para as artes. Por quê? Suas razões não são destrinchadas; ela é a pura "banalidade do mal" de que fala a diretora.

Mas Clarkson tateia algumas explicações para o comportamento de sua personagem. "Ela vive aquela vidinha, é incapaz de enxergar além de seu nariz. Cresceu naquele lugar e teve uma vida convencional. Florence representa tudo aquilo que ela nunca será", conta.

O apoio ao esforço de Florence vem do misantropo Edmund Brundish (Bill Nighy), sujeito que vive isolado entre seus próprios livros.

"Não concordo com a ideia de que os livros podem ser refúgios a pessoas reclusas", diz a diretora. "Livros podem ser perigosos, te fazem questionar coisas. Nunca os achei inocentes", completa.

É o mote para ela citar uma das obras que a colocaram em "perigo": "Lolita", justamente. "Acho uma obra-prima, não tem nada a ver com apologia à pedofilia". Já Clarkson cita "Enquanto Agonizo", do americano William Faulkner, seu conterrâneo. "Mudou a forma como eu via a mim mesma, a minha família, as minhas raízes sulistas", diz a atriz nascida em Nova Orleans.

Nascida e criada em Barcelona, Coixet se empanturrou dos filmes de Alexander Mackendrick ("O Homem do Terno Branco", "Martírio do Silêncio") para adentrar a "britanicidade" impregnada na história, na qual reuniões são calibradas pelo chá da tarde.

"Sou uma pessoa meio Zelig, posso fazer um filme em qualquer lugar", diz a cineasta, citando o personagem de Woody Allen capaz de imitar qualquer pessoa. É fato.

Em "A Vida Secreta das Palavras" (2005), Coixet acompanhava uma operária iugoslava trabalhando na Irlanda do Norte. Já em "Minha Vida Sem Mim" (2003), o foco era uma canadense com pouco tempo de vida.

Deslocamentos geográficos à parte, é na sua Catalunha que a diretora se coloca no meio da tormenta. Durante o malfadado referendo separatista, ela foi uma das vozes mais enfáticas a se opor à independência. Ao jornal El País, disse que "se sentir espanhola e catalã não eram conceitos que se antagonizavam".

"Sou catalã, mas não acredito na independência. E não acredito no silêncio, que é algo de que o filme também fala. Quando você se dá conta de que em escolas de Barcelona as crianças estavam sendo repreendidas por falar em espanhol, há que se posicionar enfaticamente."

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