'Maria Madalena' mostra protagonismo da mulher, mas de forma isolada, diz teóloga

Isabel Félix defende que o longa deveria ter dado voz a outras personagens bíblicas

Thaiza Pauluze
São Paulo

O filme “Maria Madalena”, em cartaz, revisita a história da mulher, descrita por séculos como pecadora arrependida, sob a nova ótica da seguidora fiel e apóstola de Jesus. Mas, para Isabel Félix, teóloga e pesquisadora de estudos feministas e de religião, o longa não resgata a memória do protagonismo das mulheres.

“Há o protagonismo de apenas uma mulher em meio aos homens, mas elas eram muitas entre os apóstolos”, disse ela durante o debate organizado pela Folha, nesta quarta-feira (14), no Espaço Itaú do Shopping Frei Caneca, após sessão de pré-estréia.

No longa dirigido por Garth Davis ("Lion: Uma Jornada para Casa"), Maria Madalena (Rooney Mara), inconformada com o destino dado às mulheres, se recusa a casar com o homem escolhido pelo pai e pelo irmão e decide seguir o profeta Jesus de Nazaré (Joaquin Phoenix), retratado sempre a partir do ponto de vista da protagonista.

A teóloga defende que havia, no cristianismo primitivo, um movimento de transformação coletivo das mulheres e que, na tela do cinema, parecia apenas um ato isolado. “O objetivo de retratar Madalena como prostituta para o imaginário cristão era apagar e silenciar sua importância histórica, o que permanece até hoje”, disse. “Mas, quando falamos de trazer esse protagonismo feminino de volta, é para mostrar a memória de todas essas mulheres.”

Há outras seguidoras de Cristo, além de Madalena, nomeadas no evangelho, segundo o reverendo Davi Charles Gomes, teólogo e chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie, com “histórias igualmente interessantes”.

Para ele, no entanto, não há necessidade de discutir qual era a quantidade de homens e mulheres presentes à época. “O que podemos falar é que Cristo era bem claro em incluir ambos os sexos.”

Já na visão do filósofo, escritor e colunista da Folha Luiz Felipe Pondé, o filme é arte, não teologia. “Ele guarda referência dos evangelhos, mas faz sua própria leitura”, afirmou.

Isabel discorda e defende que o longa não deixa de ser uma arte que interpreta os textos sagrados. “Ele merece também ser analisado de forma crítica, a partir de um olhar teológico.”

Sobre outro ponto polêmico, de que a obra deixa espaço para interpretações sobre uma relação amorosa entre Madalena e Jesus, todos os debatedores concordaram que sim, é possível fazer essa leitura a partir das cenas, mas que a conexão pode ser apenas espiritual.

“A sintonia mística da relação mostra um encantamento, que fica na fronteira entre o afeto de um homem e uma mulher ou de uma parceria profissional”, disse Pondé, no debate mediado pelo colunista da Folha Reinaldo José Lopes.

O teor romântico aparece inclusive pelo lado negativo, segundo o filósofo. “Pedro [um dos apóstolos] diz que Jesus enfraqueceu por causa de Madalena, nesse sentido popular de que a mulher pode tirar o foco do homem numa missão.”

Para Isabel, mostrar Madalena como a amante e a amada deixa claro o lado humano dos dois. O filme, no entanto, é moderado, segundo eles. “Não há o salto de fazer Jesus e Madalena se beijarem, como Dan Brown fez em ‘O Código da Vinci’", disse Pondé.

Eles concordam com a importância da obra em recontar a história de Maria Madalena e tentar acabar com o estigma daquela que ganhou o título de prostituta no século 6, durante um sermão do papa Gregório Magno, com uma interpretação errônea do texto sagrado. Só em 2016, ela foi santificada pelo papa Francisco, sendo descrita como "um exemplo de verdadeira e autêntica evangelizadora", que anunciou "a boa notícia da ressurreição do Senhor".

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