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Artes Cênicas

Melodrama dilui conteúdo crítico de 'O Jornal'

Espetáculo escrito por Chris Urch lança olhar frívolo para a perseguição de homossexuais em Uganda

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São Paulo

O JORNAL - THE ROLLING STONE

  • Quando sex., às 21h, sáb., às 20h, dom., às 19h; até 15/4
  • Onde Sesc Santo Amaro, r. Amador Bueno, 505, tel. (11) 5541-4000
  • Preço R$ 9 a R$ 30
  • Classificação 12 anos

A escolha por montar "O Jornal - The Rolling Stone" é oportuna para um momento em que se reivindica maior representatividade nas artes cênicas brasileiras.

A dramaturgia do britânico Chris Urch a um só tempo desloca a ação dos grandes centros europeus e americanos para um país africano, Uganda, e pede um elenco negro. Contudo, esses elementos parecem circunstanciais no texto, cujo eixo é a violência contra homossexuais.

O pano de fundo é o assassinato do ativista David Kato em 2011, creditado à publicação de uma lista de cem supostos homossexuais pelo tabloide ugandense que dá nome à peça. Com fotos, nomes e endereços, o jornal homônimo à revista americana de cultura trazia uma ordem expressa: enforque-os.

No entanto, esse símbolo da situação do homossexual em Uganda é tratado frivolamente pela dramaturgia.

O fato real é reduzido a melodrama: Dembe (Danilo Ferreira) é obrigado a esconder da família, de forte tradição anglicana, sua relação com um homem mais velho e de ascendência europeia, Sam (Marcos Guian). Denunciado, ele tenta convencer Dembe a fugirem juntos para Londres.

Por meio dos protagonistas e coadjuvantes, também em crise —Joe (André Luiz Miranda) é obrigado a se tornar pastor; Wummie (Indira Nascimento) renuncia aos estudos para arrumar camas em hotéis—, o dramaturgo lança um olhar à sociedade ugandense.

Contudo, a potência crítica do retrato é minada pela lente melodramática: o drama familiar é circunscrito aos personagens e não resultante da ação de forças exteriores.

Além de diluir a crítica, os recursos melodramáticos fragilizam a encenação: Ferreira e Guian têm pouca química, em cenas pudicas que buscam legitimar a relação de ambos, nascida do sexo casual, pelo amor. O intuito é conquistar a simpatia da plateia pelos protagonistas, mas revela uma visão normativa e moralizante das relações homossexuais.

Cenas densas, como as em que Joe despeja inflamados sermões sobre o público, também carecem de um olhar agudo dos diretores Kiko Mascarenhas e Lázaro Ramos. O discurso do personagem, que incita a violência, exige uma problematização maior que a oferecida pela montagem.

Urch falha em tecer uma crítica à sociedade ugandense. Apesar de retratar a rotina de personagens num país africano, o faz sob a perspectiva europeia --é ainda o olhar do colonizador sobre o colonizado.

Caberia à montagem realizada no Brasil, que compartilha com a África cicatrizes da colonização, lançar um olhar crítico à dramaturgia.

"O Jornal" seria mais oportuno se criasse uma ponte entre as realidades ugandense e brasileira, onde também a população LGBT é perseguida e ativistas pelos direitos humanos são mortos a sangue-frio.

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