Pensava-se que Tônia Carrero sobreviveria aos séculos 

Tônia Carrero foi uma das grandes belezas de seu tempo e talvez a mais bonita do mundo na primeira metade dos anos 50

Ruy Castro

Tônia Carrero era maior que a vida. Mas levou grande parte desta vida tentando provar que estava à altura de si mesma. Exemplos:

Desde sempre –desde que ainda era a jovem Maria Antonieta Portocarrerro, ou Mariinha, antes mesmo de enfrentar uma câmera, em 1946, ou de subir a um palco, em 1949–, já era uma estrela. E já sofria porque queria ser reconhecida como atriz.

Naquela época, foi figurinha das balas Fruna, ao lado dos artistas americanos cujas estampas ela própria ainda colecionava –onde já se viu?  E foi uma das grandes belezas de seu tempo –talvez a mulher mais bonita do mundo na primeira metade dos anos 50–, mas nem assim conseguiu prender seus maridos em casa (os três fizeram do adultério uma arte).

Ao fim e ao cabo, Tônia acabou vitoriosa em todos os quesitos. Tornou-se desejada, amada e respeitada como mulher, como estrela e como atriz, não por um único homem, mas por multidões. Não importava sua idade –em qualquer ambiente em que entrasse alterava a temperatura desse ambiente.

Caso raro no teatro, alguns de seus maiores papéis foram feitos já em seu crepúsculo. E, quando sentiu que o palco lhe fugia, teve para onde voltar-se: para sua linda família, cheia de jovens atores e atrizes, formados à sua imagem.

Tônia, ainda Mariinha nos anos 40, não entendia quando, enrodilhada aos pés de homens que admirava –Carlos Drummond de Andrade, Di Cavalcanti, Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Vinicius de Moraes, Mario Pedrosa–, sempre na casa de Aníbal Machado, em Ipanema, sentia que eles ficavam encabulados quando ela os encarava com seus olhos azuis.

“Como os homens se diminuem diante da beleza de uma mulher!”, ela se espantava. Ao mesmo tempo, ao atravessar um jogo de vôlei na praia de Ipanema, ficava ofendida se os rapazes não interrompessem o jogo para vê-la passar –o que aconteceu pouquíssimas vezes.

Aliás, quantos saberão que ela foi uma garota de Ipanema “avant la lettre” e, talvez, a primeira do gênero? Isso começou quando, aos 17 anos, em 1939, ela saiu da Tijuca e foi morar na avenida Vieira Souto. Ali, Tônia lançou as sementes de que brotariam as futuras garotas de Ipanema: mulheres lindas, com vasta quilometragem de praia, à vontade tanto entre pescadores quanto entre intelectuais, talentosas, independentes, corajosas. E, como aconteceria com outras muitos anos depois, foi cobaia de si mesma ao se construir como atriz e mulher num mundo ainda asfixiantemente masculino.

“Porque tenho cabelo louro, eu vou na frente”, ela disse certa vez. E ia mesmo. Primeiro, em 1955, quando abandonou o TBC (em que dividia as luzes com sua heroína Cacilda Becker) para fundar sua companhia, Tonia-Celi-Autran, que, durante oito anos, levou Sartre, Pirandello, Shakespeare.

Depois, em 1967, quando lutou em Brasília pela liberação de “Navalha na Carne”, de Plínio Marcos (proibida até para representação entre amigos!), e finalmente se consagrou como atriz, no papel da prostituta Neuza Suely. E, por fim, em 1986, aos 64 anos, quando montou o desconcertante “Quartett”, de Heiner Müller, com suas inversões de papéis e dezenas de oportunidades de “tour de force” para uma atriz.

Houve um momento em que se imaginou que Tônia Carrero não morreria nunca. A cortina nunca cairia e, na casa dos 70, 80 ou 90, ela sobreviveria aos séculos. O que, de certa forma, aconteceu quando Tonia vestiu-se de sua indestrutível personalidade, tão século 20, e a apresentou, imperialmente, aos primeiros anos do século 21.

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