'Queria ter 18 anos porque jovens verão mundo diferente', diz a atriz Helen Mirren 

Atriz fala sobre política, assédio e viagens, tema do novo filme 'Ella e John'

Kathryn Sattuck
Do “New York Times”
Donald Sutherland e Helen Mirren estão caracterizados como seus personagens John e Ella, de pé numa praia, usando roupas esportivas, mas não de banho, olhando o mar, no filme "Ella e John", do italiano Paolo Virzì
Donald Sutherland e Helen Mirren em cena de "Ella e John", filme do italiano Paolo Virzì - Divulgação

Depois de meio século de uma carreira ilustre, com rainhas, detetives e todo um caleidoscópio de outras mulheres, faltava uma coisa no currículo de Helen Mirren.

“Eu sempre quis fazer um filme italiano”, ela disse recentemente, recordando a falta de fascínio pelos filmes americanos a que assistia durante sua adolescência em Essex, Inglaterra. “O que me alertou para o potencial do cinema como forma de arte foram os filmes italianos”.

Por isso, quando o diretor Paolo Virzì a convidou para coestrelarElla e John” —a visão dele sobre um road movie americano [cuja estreia no Brasil está prevista para 5 de abril]—, Mirren se apressou a subir no motorhome, com Donald Sutherland ao volante e uma equipe de filmagem italiana na traseira, e pegou a ensolarada estrada para a Geórgia. 

Mirren e Sutherland interpretam Ella e John Spencer, um casal que está casado há muito tempo e desafia os filhos adultos ao fugir estrada afora em agosto de 2016, durante os primeiros dias da campanha presidencial dos Estados Unidos, para uma última viagem em seu motorhome decrépito. 

O destino deles é Key West, na Flórida, onde John, um professor de inglês aposentado cujo cérebro debilitado se apega com todas as forças às citações literárias que ama, poderá visitar a casa de Ernest Hemingway.

Com vestido longo azul, Atriz Helen Mirren acena em cima do tapete vermelho do Oscar
Atriz Helen Mirren chega à cerimônia do Oscar, neste domingo (4) - Jordan Strauss/Invision/AP

“Gosto de ser a estrangeira em um país e de certa forma esse filme, ainda que muito gentil e amoroso, é tão estrangeiro quanto eu, em uma determinada versão dos Estados Unidos”, disse Mirren em entrevista por telefone de Los Angeles. 

Ainda neste ano, ela interpretará Mother Ginger em “O Quebra-Nozes e os Quatro Reinos”, da Disney, com Keira Knightley como a Sugar Plum Fairy e Morgan Freeman como Drosselmeyer. Leia a seguir trechos editados de nossa conversa.

 

New York Times - Esse filme fala sobre uma road trip, mas sobre muita coisa mais.
Helen
MirrenCreio que o tema seja o amor. Muitos filmes falam sobre o amor, mas sobre o início do amor, ou às vezes sobre a metade do caminho do amor. Este é sobre o final de uma história de amor —as dificuldades e os desafios que acontecem na hora do felizes para sempre. É muito mais difícil que o começo.

As campanhas de Hillary Clinton e Donald Trump à Presidência dos EUA são mencionadas de passagem no filme. Em novembro, a revista “Vanity Fair” disse em um título que você gostaria de interpretar o presidente Trump.
Oh, não, não foi isso que eu disse. Acho que eu talvez tenha dito que ele é um personagem interessante para interpretar. As pessoas que desejam deixar marcas desse tipo em sua passagem pelo mundo estão repletas de defeitos e também são incrivelmente iludidas. Têm de ser.

Você o definiu como shakespeariano. 
Quer se trate de “Timon de Atenas”, “Macbeth”, “Coriolano” ou “Henrique 5º”, Shakespeare era brilhante em contemplar as figuras públicas e encontrar, logo abaixo da superfície, os seres humanos repletos de inseguranças e falhas, de paranoia e ilusões. 


Assim, nesse nível acredito que todas as pessoas desse tipo sejam shakespearianas. [Pausa.] Não acho que Barack [Obama] seja shakespeariano. Preciso admitir que contemplo Barack com olhos muito, muito românticos. [Risos.] Talvez ele seja Romeu.

Você já fez uma road trip?
Sim, meu marido [o cineasta Taylor Hackford] e eu viajamos de van pelo sul dos Estados Unidos, de Nachez (Mississippi) a Charleston (Carolina do Sul). 


Estávamos comprando móveis para nossa casa em Los Angeles, e com isso a van foi ficando cada vez mais cheia, e o espaço só ia diminuindo. Parávamos para dormir em pousadas, e foi nessa viagem que descobri os bufês de beira de estrada —frango frito, “mac and cheese”, canjica, couve-galega, “soul food” de verdade. Foi uma viagem fabulosa.

As pessoas fazem road trips na Europa?
Creio que isso seja mesmo uma invenção americana. Fiquei pasma quando vim pela primeira vez aos Estados Unidos e vi que as pessoas pegavam seus carros e viajavam por cinco horas sem nem pensar duas vezes. 


Acho que 50% dos americanos não têm passaporte porque o país é muito grande, e há muita coisa para ver. 


É uma onipresença que os europeus têm alguma dificuldade para aceitar, o fato de que você possa viajar por milhares de milhas e terminar em um lugar que parece igualzinho àquele de onde partiu, com as [lojas] Marshalls, Staples, T. J. Maxx, Home Depot. Mas ainda não fui a uma parte dos Estados Unidos que não seja incrivelmente linda —Novo México, as Smoky Mountains, Dakota do Sul, as florestas da Costa Oeste, Yosemite, o Bayou.

Você é um sex symbol duradouro em Hollywood. Qual é sua opinião sobre os movimentos #MeToo e Time’s Up?
É um momento espantoso este, não é? 


Jamais desejei ser mais jovem do que sou, mas a única coisa que me faz desejar ter 18 anos outra vez é ver que os jovens de 18 anos estão chegando a um mundo muito diferente.


As pessoas muitas vezes querem saber o que eu diria ao meu eu mais jovem, e eu sempre respondo que ensinaria meu eu mais jovem a dizer “vá se f.” de maneira mais imediata e mais confiante. 


Creio que [o movimento] terá suas falhas, e que haverá reações negativas. Toda aquela maravilhosa, mas desconfortável relação entre homens e mulheres vai passar por muitas contorções. 


Mas fico feliz por essa jornada ter começado. Eu honestamente pensava que essas coisas haviam acontecido comigo quando eu era moça, mas que tinham acabado. Não fazia ideia. Sou uma idiota.

Tradução PAULO MIGLIACCI

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