Descrição de chapéu Artes Cênicas teatro

Senti o luto de ver meu corpo morto na tela, diz coreógrafo de 'La Bête'

Wagner Schwartz, acusado de pedofilia após sessão no MAM, debate mediação entre arte e público

O performer e coreógrafo Wagner Schwartz
O performer e coreógrafo Wagner Schwartz - Caroline Moraes/Divulgação
 
MLB
São Paulo

Em setembro passado, o coreógrafo Wagner Schwartz se viu envolto numa polêmica após sessão de “La Bête”, espetáculo em que o artista, nu, é manipulado pelo público, numa alusão a “Bicho”, obra de Lygia Clark.

Um vídeo de sua apresentação no MAM paulista viralizou. Trazia a imagem de uma criança tocando a perna e a mão do performer. Schwartz foi acusado de pedofilia (uma investigação do Ministério Público depois descartou crime) e diz ter recebido cerca de 150 ameaças de morte.

Só quatro meses após o ocorrido é que decidiu falar sobre o assunto. Nesta quinta-feira (8), ele integra uma mesa, dentro da MITsp - Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, que debate a mediação das artes com o público —participam ainda Marcos Alexandre, Renan Marcondes e Rita Aquino.

“As ‘fake news’ transformam a vontade dos ‘haters’ em imagem", diz Schwartz à Folha, por e-mail.

E, no fim do mês, apresenta no Festival de Curitiba o espetáculo “Domínio Público”, criado com outros artistas que foram motivos de polêmicas em 2017.

As polêmicas do ano passado levantaram uma discussão sobre a classificação indicativa de trabalhos artísticos —apenas os produtos audiovisuais recebem avaliação direta do Ministério da Justiça; os demais são classificados pelos próprios produtores e artistas.

Para Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural, onde acontece a mesa desta quinta, o guia de autoclassificação fornecido pelo ministério ainda tem imprecisões e carece de um aprimoramento para a área das artes visuais. Segundo ele, há conversas entre instituições e o governo para melhorar a cartilha. 

Já  Schwartz acredita ser importante ouvir mães e pais sobre o assunto.

A pedido do coreógrafo, reproduzimos abaixo a íntegra de sua entrevista, sem edição das respostas. 

 

Folha - Acredita que hoje haja um obstáculo na compreensão do público sobre as artes? 
 
Wagner Schwartz - Particularmente, não acredito que haja um obstáculo na compreensão do público sobre as artes. O público, que se desloca para ter uma experiência artística, pode encontrar, aqui ou ali, objetos que propõem uma reflexão complexa sobre os temas do mundo.  
 
Este mesmo mundo tem experimentado mudanças importantes nos últimos tempos. Na tecnologia, por exemplo, passamos de uma era analógica a uma outra, digital. Hoje, nosso olhar se conecta com as telas de computador, de smartphones e com o movimento da rua. É preciso compreender como conviver com esses dois universos distintos.

No caso da polêmica envolvendo sua performance “La Bête”, no MAM, muito se discutiu sobre o estigma da nudez no país. Acredita que a nudez foi a propulsora de toda a polêmica ou haveria também questões políticas que a motivaram?
 
Em que momento a nudez tornou-se um estigma para o Brasil? Seria importante refletir sobre o contexto político em que vivemos para analisar os motivos que geram uma polêmica nos dias de hoje. E, ainda, qual nudez pode gerar uma polêmica? A nudez de um corpo masculino, feminino, trans?

Hoje discute-se muito sobre a confusão entre a representação artística e a realidade. Como vê isso hoje?
 
A confusão é um grande mal que beneficia as perversidades políticas, causa hemorragia midiática e atrai facilmente a atenção das pessoas na vida online e na vida offline.

 
Logo após o ocorrido, você decidiu não comentar o caso. O que sentiu após as imagens viralizarem?
 
Assim que as imagens de “La Bête” foram viralizadas e o linchamento virtual teve início, meu corpo adoeceu. É impossível falar no momento em que você é torturado. Na semana seguinte aos ataques, recebi a seguinte frase, atribuída a Sêneca, de um internauta que se colocou no meu lugar nas redes sociais: "As grandes injustiças só podem ser combatidas com três coisas: silêncio, paciência e tempo". Essa manifestação de apoio me soou como um alerta para que, naquele momento, eu cuidasse de minha saúde. 

Foi de uma importância vital observar que, durante meu tempo de reclusão, uma grande quantidade de amigos, pensadores, artistas, políticos, curadores, escritores, produtores, youtubers se ocuparam desse “eu” artístico violentado publicamente. Graças a esse movimento de empatia, a minha voz voltou.
 
E quando se sentiu confortável para falar sobre o caso?
 
Um pouco mais de quatro meses depois do ocorrido, quando falar tornou-se uma necessidade.

Você conta que foi “morto” na internet e recebeu 150 ameaças de morte. Continuam as ameaças? Como você tem lidado com elas?
 
Geralmente, as ameaças são enviadas por pessoas ligadas a personagens políticos ultraconservadores. Os agressores têm vontade de matar, destruir e fazer desaparecer aqueles que não se encaixam nos programas de seus candidatos à presidência. Como lidar com as ameaças? Continuando a fazer meu trabalho.
 
Também circularam muitas “fake news” a seu respeito, algumas até diziam que você tinha morrido. Como foi isso?
 
As “fake news" transformam a vontade dos “haters” em imagem. Elas realizam, na vida online, o desejo de violência. A sensação do ódio escorre pela vida offline, construindo a sensação de medo e de insegurança no espaço público. Eu vivi essa morte. E, estranhamente, senti o luto de ver meu próprio corpo morto na tela.
 
E como é voltar a se apresentar depois desse caso?
 
Voltar a apresentar é voltar a viver. É conseguir olhar a violência com uma certa distância, essa que só a arte permite. É sair do trauma e passar ao ato, voltar a frequentar os espaços que produzem reflexão ao invés de confusão.
 
As polêmicas nas artes levantaram uma discussão sobre a classificação indicativa de trabalhos artísticos. Como você vê esse debate?
 
É importante ouvir as mães e os pais que levam seus filhos aos museus e galerias.
 
Você fará, ao lado de Renata Carvalho, Elisabete Finger e Maikon K, um novo trabalho no Festival de Curitiba que debate justamente esse assunto. Como será o trabalho?
 
Nosso trabalho chama-se “Domínio Público”. Queremos problematizar os ataques artisticamente. Os casos que envolveram cada um de nós serão olhados à distância para construirmos uma ação cênica que avance as discussões que tiveram início em 2017. Censura, “fake news" e ameaças de morte serão tratados como fenômenos específicos do contexto político atual.
 
Você diz que em “Domínio Público” os espectadores participarão da criação do conteúdo. De que forma?
 
“Domínio Público” ainda está em criação. Temos vontade, até o momento, de ouvir o público. O que se tornou público através da voz das pessoas que legitimaram ou complexificaram os ataques.
 
Você acredita que o trabalho possa ser alvo de mais protestos de grupos conservadores?
 
É preciso contar com o fato de que pessoas que protestam contra a expansão de um movimento artístico continuarão protestando. Essas pessoas têm o direito de protestar, assim como nós temos o direito trabalhar. Vivemos em um país democrático. O que não pode ser justificado é a violência, as calúnias, as manipulações, as “fake news” que surgem das ações de alguns contra aqueles que estão fora do enquadramento de um sistema de crenças.

 

O MAL ESTAR DAS MEDIAÇÕES E O ISOLAMENTO DA ARTE

QUANDO qui. (8), das 14h às 17h

ONDE Itaúl Cultural, av. Paulista, 149, tel. (11) 2168-1777; transmissão ao vivo pelo site mitsp.org

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