'2001 - Uma Odisseia no Espaço' acentuou ambição extrema de Kubrick, diz crítico

Michel Ciment diz ter saído da sessão de '2001' com a sensação de ter assistido a uma revolução 

Mario Camera
São Paulo

Um dos mais renomados críticos de cinema do mundo, o francês Michel Ciment afirma ter saído da sessão de “2001” com a sensação de ter “assistido a uma revolução copernicana da história do cinema”.

Esse fascínio o aproximou do cineasta americano, recluso e avesso a entrevistas. Em 1980, Ciment lançou o mais importante livro sobre ele, “Conversas com Kubrick” (ed. Ubu), que conta também com uma análise profunda da obra.

Cena do filme "2001 - Uma Odisseia no Espaço", de Stanley Kubrick
Cena do filme "2001 - Uma Odisseia no Espaço", de Stanley Kubrick - Divulgação

Dos diversos encontros e telefonemas, Ciment lembra à Folha de “um homem insatisfeito e ansioso”, que “odiava as entrevistas, pois tinha medo de não estar à altura do que ele era como diretor das imagens que filmava, que as palavras reduzissem seu talento visionário e traíssem o que ele tinha verdadeiramente em mente.”

Para ele, o diretor era movido pelo objetivo de fazer sempre o melhor filme do gênero, como o terror “O Iluminado” (1980) e a comédia “Doutor Fantástico” (1964). 

Filósofo e esteta 
Para Kubrick, a imagem deve remeter a uma ideia. Era filósofo e esteta. O primeiro porque tinha coisas a dizer sobre o estado do mundo e do ser humano. E o segundo porque, achava ele, não se podia separar a forma do que ela vai vincular.
 
Super-homem de Nietzsche
Ele se interessava pelo desenvolvimento do homem e da humanidade. Era profundamente freudiano e acreditava que o ser humano é um animal dotado de razão, mas que o lado animal sempre vence. Em “2001”, imagina um homem que teria, provavelmente, encontrado o equilíbrio —ou, de qualquer maneira, conseguido dominar as paixões. É seu único filme realmente otimista. 
 
Personalidade
Nunca estive num set com ele. Mas nessas situações há tensões particulares. Ouvi de todos que atuaram com ele que era um homem de exigência extraordinária. Estavam fascinados com o perfeccionismo. 
 
Posteridade
Kubrick tinha dois elos profundos com o mundo exterior: sua família, composta pela mulher e pelas filhas, e seus filmes. Tinha uma vida de gentleman farmer, com gatos e cachorros. Vivia isolado. Esses interesses mostram algo em comum, a posteridade. Não a imortalidade, mas a continuação.
 
HAL 9000 humano
A opinião mais aceita sobre ele é a de um diretor frio, que olha o ser humano com distanciamento e pouca emoção. É falso. Kubrick está sempre do lado das vítimas. É um diretor que sofre porque o homem sofre. Em “2001”, quem sofre é o computador, é ele que vai ser desconectado e morrer aos poucos, enquanto perde a voz. Os outros não sofrem, estão conquistando o espaço. Kubrick mostra que uma máquina pode sofrer, um animal pode sofrer, todo mundo pode sofrer e isso iguala todos ao homem em seu sofrimento. 
  
Antes e depois
O filme desenvolveu alguns traços de sua personalidade. Viveu três anos praticamente cortado do mundo. Acho que sua paranoia, sua ambição extrema, a ideia de fazer um grande filme, só se acentuaram ali. É a obra genial que surpreendeu o mundo inteiro.

CURIOSIDADES

Leilão
O modelo da nave Aries 1B Trans-Kunar, que leva os astronautas à base lunar, foi leiloado em 2015 por US$ 334 mil. Quem comprou? A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, a que distribui Oscars

Não é para entender
Certa vez Arthur C. Clarke disse: “Se você entende ‘2001’ completamente, nós falhamos. Queríamos levantar mais perguntas do que respondê-las”

Sucesso
A ficção é o maior sucesso comercial de Kubrick. O filme faturou US$ 398 mi em valores atuais (mais que o dobro de ‘O Iluminado’)

Pé na Lua
Esse foi o último filme de ficção no qual o homem pisou na Lua antes de… o homem pisar realmente lá, em 1969

Homenagem
O longa será exibido no festival de Cannes deste ano, com apresentação do diretor de ‘Interestelar’, Christopher Nolan, grande fã de ‘2001’

Nem tudo azul
A valsa ‘O Danúbio Azul’, 
de Johann Strauss, não era a primeira opção de Kubrick para uma das sequências na estação espacial. O diretor preferia ‘Sonhos de uma Noite de Verão’, de Felix Mendelssohn

Poderia ser maior
De acordo com Douglas Trumbull, supervisor de efeitos visuais, o montante do material filmado dava para fazer algo 200 vezes maior que a versão final (que tem 149 minutos)

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