'A gente nunca sai da mesmice, no Brasil', diz o dramaturgo Samir Yazbek 

Dramaturgo da Geração 90 completa 30 anos de teatro e busca 'virada'

O dramaturgo Samir Yazbek
O dramaturgo Samir Yazbek - Fábio Braga/Folhapress
Nelson de Sá
São Paulo

Aos 50 anos e completando 30 de carreira, o dramaturgo paulistano Samir Yazbek prepara a celebração para o segundo semestre. Mas não quer olhar para trás.

Autor de peças premiadas como “As Folhas do Cedro”, encenada em 2010, ele se vê numa virada e não quer saber de retrospectiva, mas dos novos textos que vem escrevendo e reescrevendo.

Yazbek negocia a estreia de um espetáculo, leituras dramáticas de peças inéditas, debates e oficina para o Sesc. Com a editora É Realizações, a conversa é sobre a publicação dos textos inéditos.

Fechando o projeto e o ano, trata com a editora Perspectiva de uma adaptação de seu estudo acadêmico sobre dramaturgia, sobre “tradição e ruptura na escrita teatral contemporânea brasileira”.


Folha - Você já começou como autor, mas a peça era “Uma Família à Procura de um Ator”.
Samir Yazbek - Como autor e como ator. Na época, eu acreditava ser ator. Mas o gosto pela dramaturgia veio antes, comecei a escrever cedo.

Como foi sua formação?
Foi irregular, primeiro faculdade de física, depois filosofia, que larguei também para acabar me formando em cinema. Mais recentemente, reconectei com a academia, na Letras [USP]. Me aproximei do [professor] Fábio de Souza Andrade e aí foi bacana.

O livro que você prepara é baseado na dissertação?
É, com essa defesa da dramaturgia enquanto palavra.

Neste momento, fala-se mais em escritura cênica.
É, escritura espetacular, dramaturgia do corpo... Na Perspectiva, eles me instigaram a ser até mais assertivo na defesa da dramaturgia enquanto texto, então estou fazendo umas mudanças.

Como será o livro?
Ele conta a história mais recente da dramaturgia brasileira, com meu olhar, minha vivência. Me preocupo também em evitar a distinção dos processos de criação, se você escreve sozinho, no gabinete.

Ou em colaboração.
É. Também uma coisa que fui percebendo: a associação equivocada da palavra, na dramaturgia, ao gênero dramático, mais tradicional. É um erro. Por curiosidade, contei as menções do Lehmann [em “Teatro Pós-Dramático”, de Hans-Thies Lehmann, Cosac & Naify, 2008] e o que mais aparece, mais até que o [diretor] Bob Wilson, é um dramaturgo, que é o Heiner Müller. Meu trabalho tem essa cara.


Isso vai contra a corrente, porque até a história do teatro brasileiro agora está sendo revista a partir do espetáculo, não mais da dramaturgia.
Eu acho que a coisa despencou muito para o outro lado.

É uma gangorra. Quando você começou não aconteceu um salto de dramaturgia?
É verdade. O pessoal depois cunhou essa expressão, não sei muito bem de onde veio, “Geração 90”, na qual eu fui incluído. Acho que realmente teve um grupo de autores que começou a movimentar.

Quem eram os outros?
Naquela época eu me identificava muito com o Mário Bortolotto, com o próprio Dionísio [Neto], com o Luís Alberto de Abreu. Tinha o Alcides Nogueira, que também escrevia bastante. E estava bem fresca ainda a referência do Plínio [Marcos], que era de uma outra geração, mas que exercia uma influência, era um espelho. Tinha o Fernando Bonassi, por exemplo, mas ele estava então mais próximo dos processos colaborativos.

Abreu também estava, com o diretor Antônio Araújo.
E o Sérgio de Carvalho. Enfim, eu sentia que tinha uma coisa ali, que a gente precisava arregaçar as mangas. Mas não era tanta gente, porque o que estava ficando forte mesmo era o teatro de grupo, a coisa do colaborativo, que colocava em xeque esse lugar do dramaturgo como criador.

E que é o lugar que eu tento valorizar, agora, no livro. A ideia de que é possível criar uma nova estética a partir de uma nova configuração dramatúrgica que valorize o texto, a palavra. Obviamente, sabendo que não se esgota aí, que não é para ficar no papel, que o teatro é para a cena.

Na sua trajetória, há alguns marcos como “O Fingidor” em 1999 e, mais recentemente, “As Folhas do Cedro”.
São as minhas peças mais maduras. No meu caso, escrever demora, não cai do céu. Toda vez em que tento apressar, não vinga. Essas duas foram resultantes de crises no âmbito pessoal, profissional, e eu não tinha respostas.

Com essas e outras duas peças, “A Entrevista” [2004] e “Uma Terra Prometida” [2001], quando o pessoal comentava, criticava, quando eu recebia depois o retorno, ficava até espantado. Toda vez é começar do zero, nunca é uma coisa em que eu sinto: “Ah, consegui um lugar, consegui fazer duas, três peças boas”.

Há cerca de dois anos, você passou a trabalhar sozinho.
Um dos motivos mais fortes para eu ter parado o trabalho com a companhia [dele e do ator Hélio Cícero] é que não conseguia tempo para escrever, com a tripla função de produzir, dirigir e escrever. Do ponto de vista do conteúdo, me sentia virando as costas ao mundo de hoje. E tinha necessidade de ampliar parcerias.

Essas peças que estou escrevendo agora, por exemplo, uma que o Chiquinho Medeiros vai dirigir, que estou chamando de “O Eterno Retorno”, é sobre o artista no mundo contemporâneo, encarnado na figura de um ator. Outras também têm esse caráter.

É o Brasil que está pedindo essa urgência sua?
É, mas tem um perigo. A dramaturgia, pela própria natureza da sua linguagem, que é ação, ela não é discursiva. Eu vejo dois grandes inimigos para a dramaturgia que, quando você vê, estão vazando para a boca dos personagens, contaminando a ação: o denuncismo e o idealismo. Esse “querer dizer alguma coisa” é que é o problema. Ainda não é uma coisa vencida, para mim. É uma batalha, todo dia.

Neste momento, como adiantou por email, você quer olhar mais para a frente.
Exatamente.

Mas ao mesmo tempo você tem, por exemplo, essa identidade com a origem libanesa.
É verdade. Eu fui para lá, para escrever “As Folhas do Cedro”. Mas uma das peças desta nova fase se chama “Que os Mortos Enterrem os Seus Mortos”. É sobre uma filha que vai para o Líbano, porque tem necessidade de se conectar com suas raízes, e recebe no meio da madrugada a visita do fantasma de sua mãe. Que diz para ela, em essência, para ela voltar para o Brasil. Lá não é o lugar dela.

E essa outra peça que estou escrevendo para o Chiquinho, “O Eterno Retorno”, é sobre o eterno retorno dessa mesmice, da qual a gente nunca sai, no Brasil, essa ideia de que a gente não evolui. Eu falo de uma certa alienação, que acho que era a minha, em relação ao que está acontecendo hoje. É o nosso país, é o nosso tempo.


RAIO-X

Vida
Nasceu em São Paulo, em 1967. Aos 21 anos, escreve e interpreta o monólogo “Uma Família à Procura de um Ator”. Dois anos depois, entra no CPT (Centro de Pesquisas Teatrais)

Principais obras
“O Fingidor” (1999), “A Entrevista” (2004), “O Invisível (2006) e “As Flores do Cedro” (2010)

Prêmios
Shell de autor por “O Fingidor” e melhor autor da APCA por “As Folhas de Cedro” 

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