Adaptação da HQ Piratas do Tietê, de Laerte, vira filme após 25 anos de idas e vindas

Foram duas décadas de entraves e mudanças de planos,  até Otto Guerra e sua equipe chegarem ao definitivo

Eduardo Ribeiro
São Paulo

Os Piratas do Tietê, personagens de humor ácido que estão entre as criações mais marcantes da cartunista Laerte Coutinho, vão virar filme. Ou melhor, já viraram.

Foram duas décadas de entraves, mudanças de planos, idas e vindas até Otto Guerra e sua equipe chegarem ao definitivo “A Cidade dos Piratas”, sem previsão de estreia.

“Eu estava muito a fim, então foi uma total inconsequência”, resume Guerra. A falta de verba foi o principal entrave do filme orçado em R$ 4 milhões, contornado via editais públicos, patrocínios internacionais, parceiros nacionais e receita de outras produções do estúdio.

O argumento inicial do longa-metragem partia de uma saga do personagem Capitão e sua trupe em busca de reclamar direitos sobre as terras da região do Rio Tietê, 500 anos após a chegada dos bandeirantes a São Paulo. 

Mas o roteiro passou por 14 versões durante os 25 anos, precisando ser atualizado com acontecimentos do país e na vida dos envolvidos. Laerte, inclusive, abandonou a criação de personagens, o que resultou em novos impasses para a produção.

A trajetória da cartunista da Folha mudou bastante a partir dos anos 2000, em tônica diversa à de 1983, quando criou os Piratas para a revista Chiclete com Banana. A série começou a ser publicada na Ilustrada em 1991.

“Hoje, muita coisa do que fiz me soaria machista, homofóbica, inclusive nos Piratas. Esse tipo de piada sumiu do meu universo. Mas já fiz, não vou renegar. Fiz na maldade, lógico. Não existe falta de malícia. Acontece que as circunstâncias eram outras.”

PRODUTO FINAL 

A versão definitiva da narrativa entrelaça a saga dos piratas em busca da herança com situações vividas pelo diretor na produção da obra. 

Já as diferentes fases de Laerte foram ilustradas, por exemplo, com uma história da série “Minotauro”, HQ publicada na revista Geraldão entre 1987 e 89, na qual o protagonista é perseguido pelo prefeito de São Paulo, que, nas palavras de Otto, “é um gay enrustido com o posicionamento de um reacionário.”

“O filme também mostra manifestações nas ruas de 2013 pra cá... Parece um retrato do Brasil agora”, completa.

LOS TRÊS AMIGOS

Tudo começou com a ideia de produzir uma trilogia que abraçasse personagens clássicos da trinca de amigos cartunistas Angeli, Laerte e Glauco (1957-2010). 

“Wood & Stock: Sexo, Orégano e Rock ’n’ Roll”, estrelando os filhotes de Angeli, saiu em 2006. O dos Piratas, o seguinte, ficou emperrado. 

“Estamos fazendo os créditos agora e tem mais de 600 nomes”, relata Guerra. 

A Otto Desenhos Animados torce para que a obra passe na seleção do Annecy International Animated Film Festival, que acontece entre 11 e 16 de junho, na França.  A estreia em cinemas brasileiros aconteceria ainda neste ano, segundo o diretor.

Ele avalia que animação deve receber classificação indicativa para maiores de 18 anos. A verve crítica da produção animada bebe das tiras e histórias clássicas dos Piratas, que por meio de observações impiedosas pintam a caricatura de um país formado por tipos essencialmente corruptos. 

Mas, na visão do diretor, o público da obra não pode ser regulado pela idade. “O alvo são as pessoas mais evoluídas, e não conservadoras. É como disse o Angeli sobre ‘Wood & Stock’ na época: o filme é feito pra criança, mas aquela criança esperta”.

Sem Caráter

“O pirata é o próprio brasileiro. Essa coisa de levar vantagem. Inclusive, uma das versões do cartaz será inspirada na arte da capa do clássico ‘Macunaíma’.” 

Dirigida por Joaquim Pedro de Andrade, “Macunaíma” (1969), adaptação da obra de Mário de Andrade, conta a história de “um herói sem nenhum caráter”. 

Laerte, por sua vez, enxerga a analogia como das mais atuais, e pensa que “A Cidade dos Piratas” chegará em momento oportuno aos cinemas brasileiros.

“Acho que nós já estamos dentro de um regime de exceção. O que está acontecendo no Brasil em termos de manipulação, nos três poderes e nas instituições, é muito claro”, disse a cartunista.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.