Descrição de chapéu
Moda

Afrofuturismo é resposta a lógica de apropriação cultural na moda

Corrente projeta novos tempos, nos quais o passado da cultura negra seja alicerce estético

Beyoncé faz história em Coachella com show inesquecível
Beyoncé veste Balmain no Coachella - Reprodução
Pedro Diniz
São Paulo

Quando as luzes do festival de música Coachella apontaram para Beyoncé no sábado (14), nos Estados Unidos, não iluminaram apenas o retorno aos palcos da estrela pop, mas também o resgate da ancestralidade negra cuja imagem tomou a cultura pop.

O look da grife francesa Balmain, releitura da rainha egípcia Nefertiti com contornos de uniforme militar, tinha os mesmos códigos geométricos, os pontos de luz prateados e o turbante que identificam o movimento afrocêntrico presente na música, na literatura e, em alguma medida, na moda.

Assim como os habitantes de Wakanda, país fictício do blockbuster "Pantera Negra", em seus trajes, a cantora se apropriou da indumentária afro para evoluir suas próprias referências estéticas.

Na fase atual, se recombinam os robôs estampados do estilista Thierry Mugler usados na turnê I Am"¦, a pintura corporal do disco "Lemonade" e a reedição do uniforme dos panteras negras da década de 1960 usada na apresentação do Superbowl, em 2016.

O viés político e a crítica ácida ao segregacionismo americano são intrínsecos tanto à obra de Beyoncé quanto à de outros artistas que já exploraram o tema.

A coroa de rainha que ela usa já passou pelas cabeças das cantoras Janelle Monáe, no álbum "Archandroid" (2010), e Grace Jones.

Essas releituras pop têm em comum os anéis de pescoço da tribo ndebele, do sul da África, e as pinturas corporais dos suris. Não por acaso, os mesmos elementos do guarda-roupa da figurinista Ruth Carter para o filme mais lucrativo do ano.

Ao misturar signos das tribos africanas, essas mulheres construíram um padrão imagético distante do viés eurocêntrico que permeia a produção cultural do Ocidente.

No Brasil, essa estética se alimenta da interseção das raízes africanas com signos do sincretismo religioso.

Elza Soares em foto de turnê recente - Stéphane Munnier/Divulgação

O visual proposto pela cantora Liniker, por exemplo, é um mix de maquiagem colorida, metais e acessórios geométricos misturados à renda e às proporções ampliadas dos trajes comuns ao candomblé.

Na turnê do álbum "A Mulher do Fim do Mundo", a cantora Elza Soares também se vale das correntes pesadas aplicadas nos looks de couro, do triângulo que remonta ao Egito plástico do compositor de jazz Sun Ra, o "filósofo cósmico" precursor do movimento afrofuturista nos anos 1970, e do mesmo batom e cabelos roxos usados por divas afro.

A joalheria moderna brasileira também bebe das formas brutas e das gemas aplicadas em bases de ouro usados como traje.

No Minas Trend, feira de moda que aconteceu em Belo Horizonte na semana passada, diversos joalheiros se juntaram no desfile de cabeças, colares e brincos futuristas.

Poucas grifes de luxo se aventuram nessa seara, e o motivo do distanciamento é justamente o cerne da crítica afrofuturista.

O movimento imagina um futuro no qual o passado da cultura negra seja alicerce da estética vigente, e não um elemento exótico reformulado dentro dos padrões de beleza criado por brancos.

A lógica inverte o contexto de apropriação cultural, termo que surgiu em críticas às últimas temporadas de moda, com coleções repletas de moldes clássicos europeus tingidos de motivos africanos, como o verão 2018 da estilista inglesa Stella McCartney.

Desfilada em Paris, a coleção foi criticada por reproduzir desenhos de capulanas, tecidos tradicionais de países como Moçambique e Quênia, em vestidos e blusas comuns —o mesmo ideal desbotado e, agora fora de moda, a respeito da beleza negra.

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