Descrição de chapéu

Aos 50 anos, revista New York dá lição de como ser relevante na mídia impressa

Jornalista e apresentador Zeca Camargo reflete sobre publicação

Zeca Camargo
São Paulo

Ao celebrar seus 50 anos, a New York manda um recado simples para quem ainda quer sobreviver no universo da mídia impressa: faça uma revista interessante. Se possível, surpreendente.

Vejamos o seu mais recente número. Na capa, a improvável candidata ao governo do estado de Nova York, a atriz Cynthia Nixon, de “Sex and the City” —tão improvável que a própria chamada anuncia: “Parece uma paródia de uma reportagem de capa” da própria revista. 

Lá dentro, uma enquete com alguns dos criadores das plataformas mais relevantes da internet tentando explicar como chegamos a esse ponto de desconfiança das redes sociais. Ah, e uma especulação sobre a representação do nu feminino nas artes plásticas —como o #MeToo mexeu com a sensibilidade (e o machismo) do mundo artístico.

Você diria que é o cardápio de uma revista de “roteiros e programas” de uma cidade? Por que não? As descrições (e o serviço) de todas as atrações que Nova York oferecem estão lá —sempre reformuladas em formatos criativos. 

Capa da New York Magazine
Em 2008, o então governador do estado de Nova York, acusado em escândalo sexual, teve seu cérebro (‘brain’) posto na virilha pela revista New York - Reprodução

Mas o grande salto que a New York deu —e o principal motivo de ela ser relevante até hoje— não é o simples fato de juntar nas suas páginas tudo que aquele lugar oferece. É uma revista que mostra não apenas como a cidade vive mas como a cidade pensa.

Pioneira já na sua criação, ela foi influente desde o início. Sabe “Os Embalos de Sábado à Noite”? Pois o filme foi inspirado numa reportagem de capa dos anos 1970 (que, anos depois, descobriu-se que era quase uma obra de ficção). 

Na folia delirante dos anos 1980, ela era a primeira a soltar as crônicas daquela vida noturna decadente e fascinante —sem medo até de publicar, também na capa, um raio-x de outra revista que sacudiu aquela sociedade (e de certa maneira foi pioneira em debochar dela), a Spy.

A renovação cultural dos 1990 teve sua passarela principal na New York —e, abrindo o século 21, ela foi fundamental para resgatar a autoestima local no 11 de Setembro. 

Com a chegada do seu atual editor, Adam Moss, ela se tornou ainda mais um espelho da sensibilidade dos nova-iorquinos e, enquanto todo o mercado editorial entrava em franco recesso, a revista brilhou editorialmente.

Entre tantas capas incríveis, duas recentes se destacam. Uma de março de 2008, quando o então governador Eliot Spitzer, acusado de ter pago uma rede de prostituição com dinheiro público, aparecia numa foto de corpo inteiro, com a legenda “cérebro” apontando para sua virilha. 

Mais recentemente, às vésperas da última eleição presidencial, a artista Barbara Kruger colocou um retrato furioso de Trump com a palavra “perdedor” rasgando a imagem.

Menos de um mês atrás, o presidente voltaria a ser o garoto da capa, com um nariz de porco e uma manchete que afirmava que o derrubaria do poder não era a incompetência, mas a corrupção. Mais que mero gesto atrevido, um manifesto —mais uma vez, em perfeita sintonia com o que pensam os sempre contestadores habitantes da cidade.

O serviço continua lá —resumido agora a uma esperta lista de “afazeres” e bem esmiuçado por seus críticos provocadores (Jerry Saltz recentemente colocou em dúvida a autenticidade do Leonardo da Vinci leiloado por quase meio bilhão de dólares pela Christie’s). E o pulso cultural é celebrado numa “matriz de aprovação”, que separa eventos recentes pela natureza da intenção —do execrável ao brilhante— e universo social —alta e baixa cultura.

E o mais incrível é que tudo é acessível, divertido e relevante. Feito por gente que ama até seus conflitos com a cidade. Para quem ama até seus conflitos com a cidade. Mas acima de tudo pensa em Nova York nunca menos do que com paixão.

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