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Cecil Taylor, pianista que desafiou a tradição do jazz, morre aos 89

Poucos músicos levaram a arte de improvisar mais a sério do que o americano

O pianista Cecil Taylor, que morreu aos 89 anos em Nova York - Karsten Moran/The New York Times
Ben Ratliff
Nova York | The New York Times

Cecil Taylor, pianista que desafiou a tradição de jazz na qual se forjou e que se tornou um dos improvisadores mais estimulantes, rapsódicos, abstratos e originais de seu tempo, morreu na quinta-feira em sua casa em Nova York. Ele tinha 89 anos.

Sua morte foi confirmada por seu tutor legal, Adam C. Wilner. A causa da morte não foi divulgada, mas amigos disseram que já havia algum tempo que ele estava com problemas de saúde.

Taylor compôs músicas, liderou bandas e, como muitos músicos de jazz, trabalhou por décadas em boates e festivais. Mas, desde o início, parecia almejar algo bem maior.

Foi um exemplo supremo de artista intransigente, posicionando-se sempre —principalmente por meio de seu trabalho—, mas também em declarações contra definições reducionistas do que um músico com sua formação e experiência poderia ou deveria fazer.

Para Taylor —um homem pequeno e vigoroso que, em seu apogeu, subia ao palco com trajes esportivos, como se quisesse dizer ao público que estava assistindo a um exercício físico—, os álbuns não se resumiam às sessões de gravação, e os shows não eram meras apresentações.

No centro de sua arte estavam a fisicalidade deslumbrante e a percussão de sua interpretação.

No palco, ele também recitava seus poemas, que podiam versar sobre arquitetura asteca,  paleoantropologia, a reprodução dos crocodilos ou a postura de uma mulher.

No seu sistema de composição, músico de banda e de showman, ele se preocupava com que denominou, em uma entrevista de 1971 ao escritor Robert Levin, “metodologia negra”: as tradições orais, a música como celebração viva e homenagem espiritual.

De formação clássica, Taylor valorizava a música europeia pelo que chamou de qualidades de “construção” —forma, timbre, coloraturas— as quais incorporou à sua própria estética.

"Não tenho medo das influências europeias", disse ele ao crítico Nat Hentoff. "A questão é usá-las, como fez Duke Ellington, como parte da minha vida como negro americano".

Como seu trabalho autoral não se orientava para o popular ou folk, não era marcado pelo swing (às vezes não tinha swing algum) e não fazia parte do repertório de jazz tradicional, pode-se dizer que Taylor ocupava um lugar isolado.

Mesmo depois de ter sido reconhecido —ele recebeu uma bolsa Guggenheim em 1973, um prêmio do National Endowment for Arts Jazz em 1990, uma bolsa MacArthur em 1991 e o Prêmio Kyoto em 2014—, sua música não era fácil de quantificar.

Se improvisação significa usar a intuição e o risco no momento presente, poucos músicos levaram o desafio de improvisar mais a sério do que Taylor. A gama de expressões de seu teclado ia das carícias aos roncos e colisões.

Algumas de suas maiores relações musicais foram com bateristas, entre eles Max Roach, Elvin Jones, Sunny Murray e Ronald Shannon Jackson.

Influência da mãe

Cecil Percival Taylor nasceu em Long Island City, Queens, em 25 de março de 1929, e cresceu em Corona, a cerca de seis quilômetros dali.

Seu pai, Percy, originário da Carolina do Norte, trabalhava como chef para o dr. John Kindred, presidente do sanatório River Crest, em Corona.

Cecil idolatrava a mãe, Almeida Ragland, por sua cultura. Ela falava francês e alemão, levou-o para ver Bill Bojangles Robinson e Ella Fitzgerald e sugeriu que ele lesse Schopenhauer.

Reconhecendo seu desejo de se tornar um músico, em vez de seguir uma das carreiras que ela preferia para ele —médico, advogado ou dentista—, sua mãe insistia para que ele tocasse piano seis dias por semana —o domingo era livre para ele fazer o que quisesse. “A minha música começou a organizar nesses momentos, quando ela não estava olhando”, disse Taylor em uma entrevista na revista literária Hambone.

Ela morreu de câncer quando ele tinha 14 anos.

Taylor estudou piano no New York College of Music em Manhattan e, no início dos anos 1950, mudou-se para Boston, onde tinha parentes, para frequentar o New England Conservatory.

De volta a Nova York, Taylor formou grupos com o vibrafonista Earl Griffith e o saxofonista soprano Steve Lacy. Em 1956, com um quarteto de Lacy, o baixista Buell Neidlinger (que morreu em 16 de março) e o baterista Denis Charles, ele fez seu primeiro álbum, “Jazz Advance”.

Com padrões e composições próprias, o disco foi produzido por Tom Wilson, que mais tarde trabalhou com Bob Dylan, The Mothers of Invention e o Velvet Underground.

A música de Taylor à época oscilava, encaixando-se na linguagem do jazz moderno —suas frases tinham uma conexão clara com as de Thelonious Monk— mas também já indo além dela.

No disco de 1958, “Looking Ahead!”, ele foi mais longe; depois, lançou uma gravação, originalmente intitulada “Hard Driving Jazz”, com um grupo reunido especialmente por Wilson, que incluía John Coltrane.

Ouvintes "inquietos"

Com a fama veio uma atenção especial. Em 1959, Gunther Schuller escreveu um longo ensaio na The Jazz Review inquirindo se a música de Taylor era ou não atonal.

“Se escutamos atentamente o que ele toca, não restam  dúvidas de que Taylor realmente pensa em tom, mas o resultado de seu pensamento na maior parte do tempo não pode ser analisado em termos tonais”, escreveu ele.

Whitney Balliett, da revista The New Yorker, descreveu como a multidão reagiu à apresentação de Taylor no Great South Bay Jazz Festival, em Long Island, em 1958: alguns ficaram hipnotizados, escreveu, enquanto outros “se mexiam, sussurravam e entravam e saíam do local, como se o chão sob seus pés de repente tivesse ficado insuportavelmente quente”.

Em 1961, foi convidado a contribuir com metade da música de um álbum dirigido pelo arranjador Gil Evans (a outra metade coube ao compositor Johnny Carisi); Taylor tocou apenas músicas originais: peças marcantes com tempos inconstantes e linhas melódicas fragmentadas.

No ano seguinte, começou a trabalhar com o saxofonista Jimmy Lyons, parceria que se estenderia por mais de 20 anos —Lyons morreu em 1986. Os dois eram o núcleo duro Cecil Taylor Unit, um grupo em que os outros membros todos variavam.

Em 1966, quando ele gravou o álbum “Unit Structures” para o selo Blue Note, Taylor já havia criado uma sintaxe do nada. Ele usava tonalidades de blues e dissonância em suas improvisações, e escrevia música valendo-se de estruturas originais, organizadas de um modo que não era tradicional no jazz, mesmo entre a nova vanguarda à qual ele era costumeiramente associado.

Ninguém ensinava o que Taylor fazia e, em parte por isso, ele se tornou uma escola em si, dando aulas aqui e ali na década de 1970 na Universidade de Wisconsin, Madison, e no Antioch College, em Ohio. (Ele recebeu o título de doutor honoris causa do New England Conservatory em 1977.)

Foi só em meados dos anos 1970, como contaria Jimmy Lyons ao escritor John Litweiler, que a Cecil Taylor Unit consegui ter trabalho suficiente, principalmente na Europa, para que seus membros vivessem de sua música.

Solos e duos

Durante esse tempo, Taylor fez muitas apresentações de piano solo, prática que ele começou por volta de 1967 e que refinou em álbuns como “Indent” (1973), “Fly! Mosca! Mosca! Mosca! Fly!” (1980) e “For Olim” (1986).

Às vezes, ele se apresentava em um duo com outro improvisador: apresentações que podiam ser abreviadas e conflitivas, caso o outro intérprete pressionasse Taylor demais.

Entre esses duetos se incluem uma apresentação turbulenta ao lado de Mary Lou Williams, pianista da era do swing, em 1977; performances memoráveis ao lado de Max Roach em 1979, 1989 e 2000; e colaborações com o dançarino de butô japonês Min Tanaka. Em 1979, ele colaborou com os bailarinos Mikhail Baryshnikov e Heather Watts em uma peça curta.

No verão de 1988, Taylor apresentou uma série de concertos em Berlim Oriental e Ocidental —solo, em duplas e com grupos de diferentes formações— que foram lançados em discos pelo selo FMP, num total de 11 CDs, “Cecil Taylor in Berlin '88”.

Desde 1983, Taylor morava sozinho em uma casa de três andares em Fort Greene, no Brooklyn. Durante todo esse tempo, ele se apresentava ocasionalmente em boates, mas mais frequentemente em teatros ou até mesmo museus ao redor do mundo.

Em 2014, Noel Muir, um empreiteiro que fazia trabalhos na casa de Taylor, tirou do músico quase toda quantia que recebera pelo Prêmio de Kyoto, US$ 500 mil. Muir foi condenado a uma pena de um a três anos de prisão.

Taylor não deixa nenhum parente próximo.

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