GABRIELA LONGMAN
São Paulo

León Ferrari (1920-2013) foi um contestador da fé cristã.

Um dos maiores nomes das artes plásticas argentinas, dedicou parte de sua obra a apontar na Igreja Católica e em suas concepções de inferno, juízo final e apocalipse uma fonte de intolerância no Ocidente. Muitas de suas colagens e objetos misturam imagens religiosas com ícones pop ou cenas eróticas.

Com a discussão sobre arte, política e censura em alta desde o fechamento da exposição "Queermuseu" e do escândalo deflagrado em torno da interação de uma criança com um artista nu na performance "La Bête", no MAM-SP, a obra de Ferrari ganha nova ressonância.

Na mesma semana em que se inaugura a feira SP-Arte, o artista é tema de uma exposição com 72 obras na galeria Nara Roesler e de uma conferência internacional.

No encontro, representantes do Guggenheim, do Museo de Arte Moderno de Buenos Aires e a curadora da mostra, Lisette Lagnado, revisitam a Argentina da segunda metade do século 20 para pensar o Brasil de hoje.

"A sensação que eu tenho é que a exposição vai ser extremamente bem recebida pelos jovens", diz Lagnado.

"Artistas e estudantes vão se identificar muito com essa necessidade de coragem para interferir em postulados que vêm tanto da política quanto da religião", sugere ela, frisando que buscou fugir da polêmica gratuita para apresentar uma visão panorâmica, que engloba seis décadas de trabalho.

"Em São Paulo, pelo momento que vivemos, é importante voltar a ver um León na sua integralidade."

Em meio à polarização crescente no cenário político, a curadora dá à mostra o título "Por um Mundo sem Inferno", referência às cartas que Ferrari enviou ao papa João Paulo 2º pedindo que o inferno fosse revogado mas também uma espécie de manifesto pessoal contra a escalada de agressividade, que diz vivenciar no Rio de Janeiro.

Idealizadora da 27ª Bienal, intitulada "Como Viver Junto" (2006), Lagnado se diz às voltas com um mundo em que a convivência pacífica se vê sob ameaça, com "ampliação de ressonância via robôs e redes sociais".

Para a Igreja, no entanto, é difícil não ver nas obras provocação gratuita.

Artista censurado em diferentes ocasiões —exilou-se no Brasil fugindo da ditadura militar argentina—, Ferrari desenvolveu uma inimizade famosa com Jorge Mario Bergoglio, então arcebispo de Buenos Aires.

Em 2004, o hoje papa Francisco pediu aos católicos uma "jornada de jejum e orações" contra a obra de Ferrari e apelou para que uma individual sua no Centro Cultural Recoleta fosse fechada.

ALÉM DAS FRONTEIRAS

A partir do Leão de Ouro da Bienal de Veneza de 2007 e da exposição "Alfabeto Enfurecido", criada pelo MoMA, em 2009, o interesse pela obra de Ferrari expandiu-se para além das fronteiras latino-americanas.

Enquanto a filial nova-iorquina da Nara Roesler abre no fim de abril uma pequena exposição só de colagens e o Museo Reina Sofía, em Madri, realiza uma leitura integral da peça "Palavras Ajenas", com oito horas de duração, a família do artista trabalha em torno da abertura, nos próximos meses, de seu antigo ateliê de trabalho.

"Estamos trabalhando em parceria com o Museo de Arte Moderno para organizar a visitação pública duas vezes por semana" antecipa Anna Ferrari, neta do artista e uma das responsáveis pela Fundación Augusto y León Ferrari.

Além de obras, o ateliê —uma casa de 250 m² nos arredores do bairro de Santelmo, Buenos Aires— guarda móveis, livros, um jardim de esculturas e trabalhos de amigos, vários deles brasileiros.

Espécie de corpo vivo em catalogação e revisão —uma grande mostra será realizada no Museo de Bellas Artes para celebrar o centenário do artista, em 2020—, a obra de León Ferrari continua chamando atenção, muito além dos muros do Vaticano.

 

LEÓN FERRARI: VALOR DE CULTO E VALOR DE EXPOSIÇÃO

QUANDO qui. (12), às 18h

ONDE auditório do MAM-SP, av. Pedro Álvares cabral, s/n° parque Ibirapuera, tel (11) 5085-1300

QUANTO grátis

 

Exposições

Léon Ferrari: Por um Mundo sem Inferno

Galerias
Grátis.

A retrospectiva apresenta uma seleção de obras que cobrem quase meio século da produção do artista multimídia argentino León Ferrari (1920-2013), que venceu o Leão de Ouro no Festival de Veneza em 2007.

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