Difícil imaginar um timing mais apropriado.
O festival É Tudo Verdade exibe nesta terça (17), em São Paulo, "The Cleaners", documentário que questiona medidas adotadas pelas principais redes sociais, especialmente o Facebook.
Quem não se lembra do constrangimento do CEO e fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, durante depoimento ao Senado dos EUA, uma semana atrás?
Ele foi convocado após vir à tona que 87 milhões de usuários da rede social tiveram dados violados por meio de um aplicativo da consultoria política Cambridge Analytica, a serviço da campanha de Donald Trump.
Dirigido pelos alemães Moritz Riesewieck e Hans Block, com produção parcialmente brasileira, "The Cleaners" não trata do vazamento de dados, mas seu alvo também é assustador.
Gigantes americanas da tecnologia, como Google (dono do YouTube) e Facebook, contratam empresas filipinas para excluir da rede casos de exploração infantil e apologia ao terrorismo. No país asiático, evidentemente, essa faxina sai muito mais barata.
A equipe do documentário viajou para as Filipinas para falar com os chamados moderadores de conteúdo, os "faxineiros" contratados pelas empresas do país.
A começar, o trabalho é torturante. Devem observam cerca de 25 mil imagens por dia e não podem ultrapassar oito, nove segundos na avaliação de cada uma delas.
Além disso, os moderadores são submetidos a um excesso de cenas violentas. Um deles conta que que acompanhou um suicídio em tempo real. Outro, especialista em imagens de auto-mutilação, se matou.
Existem, porém, outras questões levantadas pelo filme em torno dos "cleaners". Eles têm o discernimento necessário para definir o que deve ser eliminado? A julgar pelos moderadores e ex-funcionários ouvidos no filme, a resposta é não.
Uma moça extremamente religiosa, que diz sonhar com diferentes formatos e cores de pênis, trata seu trabalho como uma missão para livrar os pecados do mundo.
Está à disposição deles uma cartilha com instruções, incapaz, contudo, de barrar um razoável grau de arbitrariedade dos moderadores.
Esse ponto nos leva a outro tópico relevante do filme. Tal como é feita, a moderação pode eliminar imagens que têm potencial valor para o jornalismo e, posteriormente, para a história.
A imagem da menina nua ferida por um bombardeio em 1972 se tornou a mais simbólica da Guerra do Vietnã. Caísse hoje na rede, a foto não passaria pelo filtro do Facebook, afinal envolve criança e genitália.
O impacto do filme está menos nas hipóteses e nas reflexões do que na observação dessa realidade nas Filipinas e nos EUA, que ecoa pelo mundo.
Contundente, sem cair no sensacionalismo, "The Cleaners" é um dos melhores filmes desta edição do festival.
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