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Impessoalidade e objetividade têm ápice com Sophia de Mello Breyner Andresen

Seleção de 200 poemas da escritora portuguesa denuncia frouxidão entre mundo e linguagem

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coral e outros poemas

  • Preço R$ 54,90 (392 págs)
  • Autoria Sophia de Mello Breyner Andresen
  • Editora Companhia das Letras
  • Seleção e apresentação Eucanaã Ferraz

A poesia da portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen é, como ela mesmo diz, uma "perseguição do real".

Por isso, seus versos não falam "de uma vida ideal mas sim de uma vida concreta" em que se destacam as paisagens marinhas.

A escritora portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen - Folhapress

E é claro que imagens como as da praia e das ondas remontam à cultura portuguesa e à sua conflituosa relação com o mar.

Mas a presença marinha na obra de Sophia não para aí, porque a inteireza do mar se contrapõe a um mundo em que o equilíbrio entre palavras e coisas está por um fio.

Daí o forte apelo à ideia grega de justiça, ligada à beleza, mas que vai além dela: "Foi no mar que aprendi o gosto da forma bela".

Nesse sentido, seus poemas estão compromissados em denunciar a frouxidão entre mundo e linguagem. Sua força vem justamente da luta contra uma ambiguidade perniciosa que "transforma as palavras em moeda / como se fez com o trigo e com a terra".

Tal embate pode ser trágico, porque se trata de uma guerra que está sempre por ser perdida. Mas, resistindo, sua poesia não cede à indiferença, afinal, enfrenta, entre outras coisas, discursos poderosos: "Com fúria e raiva acuso o demagogo / E o seu capitalismo das palavras".

Para firmar essa resistência, sai de cena certo sujeito autocentrado em prol de uma noção de subjetividade que se coloca como mediação entre as coisas. "O meu olhar tornou-se liso como um vidro. Sirvo para que as coisas se vejam", escreve ela.

ápice

Assim valores caros à poesia moderna, como impessoalidade e objetividade, atingem, com sua obra, um ápice em língua portuguesa.

É desse lugar especial que a autora estabelece suas afinidades eletivas, seja com os versos de João Cabral de Melo Neto (1920-99) e de Fernando Pessoa (1888-1935), seja com a pintura de Maria Helena Vieira da Silva (1908-92).

"Ressurgiremos ali onde as palavras / São o nome das coisas", diz a poeta referindo-se a uma voz que não é anterior à poesia. Ou, algumas páginas depois: "O vento era vento e a pedra pedra / E isso inteiramente me bastava", acrescenta ela, valorizando o registro denotativo e direto, sem espaço para adereços.

A seleção de Eucanaã Ferraz, com mais de 200 textos, contempla todas as épocas da trajetória da autora, indo desde o primeiro livro de 1944 até inéditos publicados postumamente.

Enfim, esta antologia mostra uma Sophia na melhor forma, que é quando suas palavras se enchem de aguda materialidade, fazendo com que nós, leitores, entendamos, com clareza, que posições estéticas também são políticas, e vice-versa.

Aliás, sobre o lugar da poesia em tempos de indigência —como aconteceu com Portugal sob o jugo da ditadura salazarista— é a própria autora quem afirma: "Eu sou aquela que não aprendeu a ceder aos desastres".


LEONARDO GANDOLFI é poeta e professor de literatura portuguesa da UNIFESP
 

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