Descrição de chapéu artes plásticas

Inhotim e governo de Minas assinam acordo para transferência de 20 obras de arte

Bens não poderão ser vendidos e continuarão expostos e sob responsabilidade do museu

Carolina Linhares
Belo Horizonte

​O empresário Bernardo de Mello Paz, criador do Instituto Inhotim, e o governo de Minas Gerais assinaram um acordo na última sexta-feira (27) para que a propriedade de 20 obras de arte do acervo sejam transferidas ao estado como forma de quitar dívidas. O termo ainda precisa ser homologado pela Justiça para ter efeito.

O acordo inclui quatro obras de Adriana Varejão, como "Celacanto Provoca Maremoto", painel que imita azulejos portugueses, e a escultura de azulejo “Linda do Rosário”. Também há a instalação “Desvio para o Vermelho” e a escultura de mesas e cadeiras “Inmensa”, ambas de Cildo Meireles e outras duas obras do artista.

A lista traz ainda a escultura de ferro “Gigante Dobrada”, de Amílcar de Castro, a escultura com vigas “Beam Drop Inhotim”, de Chris Burden, e o “Sonic Pavillion”, de Doug Aitken, de onde se ouve o som que vem da Terra.

Segundo o acordo, as obras não poderão ser vendidas pelo estado e permanecerão expostas no Instituto Inhotim, a quem caberá a guarda, manutenção, conservação e preservação dos bens. Assim como fez Paz com as obras de sua propriedade, o estado deverá ceder o patrimônio ao museu a título de comodato.

O objetivo do acerto não é o valor financeiro das obras, mas assegurar que o museu a céu aberto, considerado referência internacional, continue funcionando em Minas por muito tempo.

As obras foram oferecidas por Paz como forma de quitar dívidas de ICMS das suas empresas de mineração que se arrastam por mais de 25 anos. O débito foi calculado em R$ 471,6 milhões e era considerado de difícil recuperação pelo estado.

O fundador do Instituto Inhotim, Bernardo Paz
O fundador do Instituto Inhotim, Bernardo Paz - AFP

O empresário, porém, aderiu ao Plano de Regularização de Créditos Tributários, lei estadual aprovada ano passado que dá desconto aos devedores e permite o pagamento com obras de arte. Com a redução, a dívida total de dez empresas de Paz, que integram o Grupo Itaminas de mineração, cai para R$ 111,8 milhões.

O valor das obras, contudo, ainda não foi estabelecido. O governo e Paz têm agora 60 dias para apresentar um laudo cada com a avaliação de especialistas. A Justiça, no processo de homologação, também deve contratar peritos e estabelecer um preço. O menor dos três montantes é que será levado em conta, diz o acordo.

Caso o valor das obras seja menor que a dívida, Paz deverá pagar o que faltar, inclusive por meio de mais obras de arte. Mas, se o montante superar o débito, o que é mais provável, ele renuncia ao excedente. Numa estimativa inicial, o empresário colocou em US$ 128,7 milhões (cerca de R$ 450 milhões) o preço das 20 obras.

PERENIZAÇÃO

A proposta de transferência das obras, feita em novembro pelo empresário, resultou num acordo formal que também amplia a participação do governo na gestão do Inhotim. O estado terá um representante no Conselho de Administração do instituto.

O acordo determina que, sem a permissão do estado, o instituto não pode se desfazer de obras de arte ou de paisagismo, realizar fusões ou cisões, nem vender, alugar, transferir ou ceder seus terrenos. O museu também renuncia a indenizações e não pode se opor em caso de tombamento pelo governo mineiro.

A preservação do Inhotim foi condição imposta pelas secretarias de Cultura e Turismo para a celebração do acordo, firmado também pelas pastas de Planejamento e Fazenda. O museu em Brumadinho (MG), a 55 km de Belo Horizonte, é o segundo atrativo mais visitado em Minas.

Além das dívidas de Paz, sua idade avançada e sua condenação na Justiça lançavam incertezas sobre o futuro do Inhotim. Ele renunciou à presidência do instituto em novembro.

“Houve a necessidade de Paz de resolver um problema e o estado não poderia cometer a irresponsabilidade de deixar esse patrimônio sair de Minas”, diz o secretário de Turismo, Gustavo Arrais.

“Foi o Inhotim que realmente colocou Minas no cardápio do turismo mundial. Seria uma perda artística, cultural, histórica e turística irreparável. É fonte de geração de renda, emprego e prosperidade”, completa.

O secretário da Cultura, Angelo Oswaldo, afirma que o estado e o próprio empresário já tinham o propósito de evitar a venda do que considera o principal museu de Minas e perenizá-lo. “Qualquer país do mundo daria tudo pra ter Inhotim. Foi uma realização singular do governo entregar a Minas para sempre esse grande centro artístico e botânico.”

Os secretários mencionaram também que o estado ainda guarda o trauma de ter perdido o "Painel Tiradentes", de Candido Portinari, vendido por particulares ao governo de São Paulo em 1975, e não quer ter outra baixa cultural. Antes exposto no Colégio de Cataguases (MG), hoje o painel encontra-se no Memorial da América Latina, na capital paulista.

O diretor-executivo do Instituto Inhotim, Antonio Grassi, considerou o acordo uma vitória. "Dá ainda mais segurança para a preservação do projeto Inhotim e mostra o reconhecimento do estado sobre a importância do museu para inserir Minas Gerais no cenário internacional", afirmou em nota.

"O acordo garantirá a perenização do relevante acervo artístico em exposição no Inhotim, uma vez que as obras permanecerão no museu a título de comodato, sem possibilidade de serem removidas ou vendidas."

O acordo prevê, inclusive, que o estado fique com todas as obras em caso de dissolução do instituto. O termo ainda será submetido à avaliação do Ministério Público.

Além das empresas de Paz, ele próprio e o instituto são partes do acerto. Foi determinado ainda que o Grupo Itaminas deve manter os pagamentos de impostos em dia sob pena de multa de 100%.

Paz foi condenado pela Justiça Federal a nove anos e três meses de prisão por lavagem de dinheiro em setembro passado devido a transferências feitas de um fundo em paraíso fiscal às suas empresas.

A defesa recorreu ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, onde o processo está pronto para o voto do relator. “Recorremos por considerar a decisão injusta e fruto de equivocada interpretação do processo”, afirma o advogado Marcelo Leonardo.

INHOTIM

Todo o acervo do Inhotim é avaliado em US$ 1,5 bilhão. Em 2008, o museu foi transformado em uma organização não governamental do tipo Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público), com contas dissociadas das empresas de Paz.

Em fevereiro passado, o empresário doou ao instituto todas as edificações e terrenos que formam o museu de cerca de 140 hectares. Em dez anos de existência, quase 2,7 milhões de pessoas visitaram o espaço com 23 galerias, 1.300 obras de arte e jardins com 4.500 espécies.

Além de investimentos de Paz e da verba de visitação, o Inhotim é financiado pelo governo de Minas e pela Lei Rouanet.

 

Lista de obras que serão transferidas ao estado de Minas Gerais
Celacanto Provoca Maremoto (2004-2008) - Adriana Varejão
Carnívoras (2008) - Adriana Varejão
O Colecionador (2008) - Adriana Varejão
Linda do Rosário (2004) - Adriana Varejão
Gigante Dobrada (2001) - Amílcar de Castro
Através (1983-1989) - Cildo Meireles
Desvio para o Vermelho (1970-1996) - Cildo Meireles
Inmensa (1982-2002) - Cildo Meireles
Glove Trotter (1991) - Cildo Meireles
Beam Drop Inhotim (2008) - Chris Burden
Samson (1985) - Chris Burden
Beehive Bunker (2006) - Chris Burden
Bisected Triangle, Interior Curve (2002) - Dan Graham
Xadrez de Chão (2004-2007) - Delson Uchôa
Correnteza (1994-2007) - Delson Uchôa
Entre o Céu e a Terra (2007) - Delson Uchôa
Portal 1 (Realidades Mistas) (2006-2007) - Delson Uchôa
Neither (2004) - Doris Salcedo
Sonic Pavilion (2009) - Doug Aitken
De Lama Lâmina (2004) - Matthew Barney

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