Marcelo D2 se inspira em Andy Warhol ao escrever e dirigir filme sobre jovem

'Amar É Para os Fortes' também é álbum conceitual e fala da arte como alternativa à violência

Marco Aurélio Canônico
Rio de Janeiro

​Aos 50 anos, rumo ao décimo disco em mais de duas décadas de carreira, Marcelo D2 já estava "de saco cheio" da rotina profissional da música —grava, dá entrevista, sai em turnê etc.— quando encontrou inspiração em outro tipo de arte.

"Tinha acabado de ler a biografia do Andy Warhol e tava super nessa coisa da Fábrica [The Factory, o estúdio fundado pelo artista americano], de juntar muita gente, produzir bastante. Aí me veio a ideia de fazer esse filme."

O resultado, ainda em construção, é "Amar É Para os Fortes", que é tanto um disco conceitual (com 14 faixas que, juntas, contam uma história) quanto um filme, que ele roteirizou e dirigiu, cuja trama é contada por meio de dez das canções —elas fazem o papel do narrador e dos diálogos.

Não por acaso, o álbum será também o mais colaborativo que D2 já fez, com participações de Gilberto Gil, Marisa Monte, Nação Zumbi, Danilo e Alice Caymmi, Seu Jorge, Rincon Sapiência.

"Como ele é uma trilha sonora, as músicas estão bem diferentes umas das outras. Tem umas mais calmas, umas porradarias, tá tudo ali."

Se a ideia conceitual foi inspirada nas artes plásticas, a temática veio da vida real, de uma conversa de bar que o rapper teve com um amigo, João Velho, filho da apresentadora Cissa Guimarães e irmão de Rafael Mascarenhas, que foi atropelado e morto quando andava de skate numa via fechada ao trânsito.

O encontro aconteceu logo após o julgamento em que o atropelador teve sua pena de prisão revertida em prestação de serviços públicos.

"Tava todo mundo muito puto com aquela situação, falando sobre como dá vontade de pegar uma arma e dar um tiro na cara de um filho da puta desses. A gente chegou à conclusão de que amar é para os fortes. Pronto, eu tinha o nome do disco."

Escolhidos os formatos e o mote, faltava aprender a técnica —passou quase um ano estudando escrita de roteiro de cinema e vendo filmes, preparando-se para sua estreia como roteirista e diretor.

O passo seguinte foi criar a história. "Eu queria contar a partir da visão de um moleque que nasceu numa favela muito violenta e que acha que pode mudar o mundo com arte, aquela inocência juvenil."

O garoto é Sinistro (vivido por Stephan Peixoto, 26, rapper e filho de D2), 20 e poucos anos, que mora com a mãe numa comunidade da zona norte do Rio de Janeiro.

Ela é faxineira no CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil), o que leva o menino a crescer tendo contato com as artes e a enxergar nelas uma alternativa à vida violenta que engolfa seus amigos.

MANTENHA O RESPEITO

A Folha visitou o quinto de 11 dias de filmagens, na favela Tavares Bastos, no Catete, zona sul do Rio —lugar que abriga a base do Batalhão de Operações Especiais (Bope) e, por isso, é pacificado e usado regularmente como cenário cinematográfico.

Uma das cenas acontece na sala de uma casa, com Sinistro e quatro amigos reunidos em torno de uma bolsa preta, que se revelaria cheia de armas.

"[A tomada] Vai sair da bolsa, depois que tu ver que a câmera abriu, vocês dão a cabeçada", orienta D2. "Tá todo mundo pronto? Vou rodar, hein? Vai, Maria", diz ele à assistente de direção.

De trás do monitor, acompanha toda a movimentação, dirige os atores e a equipe. Depois que os garotos atuam, corta. "Foi bom pra caralho."

Entre suas referências, lista Quentin Tarantino, Spike Jonze e Jim Jarmusch. "Tô tentando fazer meu caminho, né, cara? Fujo um pouco da estética de videoclipe, mas quero que as pessoas sejam conduzidas pelo arranjo das músicas."

Além de diretor, roteirista e produtor, D2 também é captador. Tenta levantar R$ 500 mil para fazer filme e disco —tudo investimento direto de patrocinadores privados como Nike e Budweiser.

"Nada de Rouanet [lei de incentivo], não dava, tá ligado? Imagina só, nesse momento que o Brasil tá vivendo, o maconheiro mais famoso pegando dinheiro do governo pra fazer um filme. Iam querer me matar."

O lançamento não está definido (cogita-se agosto) nem a forma de distribuição. D2 planeja usar a internet e, talvez, lançar nos cinemas em sessões conjuntas às de "Legalize Já!", longa de Johnny Araújo e Gustavo Bonafé que conta a história do Planet Hemp.

 
"Todo dia em que chego ao set, me sinto agradecido. É foda realizar, teve momentos em que pensei que ia fazer só um disco mesmo. Mas está sendo melhor do que eu esperava. Achei uma maneira nova de me expressar e de continuar sendo criativo. Espero ser relevante."

Além da relevância artística, ele espera espalhar a ideia de que, num país tão dividido e tão desigual, subversão é acreditar no amor como saída.

"A gente tem de espalhar isso, estender a mão ao próximo e falar: 'Cara, vamos mudar essa porra juntos'. A gente acreditou no Lula como salvador, mas isso não existe, não vai existir um super-herói que vai salvar o Brasil. O sistema somos nós."

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