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Nada se encaixa em 'O Incêndio', romance sobre estados de consciência

Estilo, ritmo e andamento não convencem na obra de Alexandre Staut

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São Paulo

O Incêndio

  • Preço R$ 36 (200 págs.)
  • Autoria Alexandre Staut
  • Editora Folhas de Relva Edições

Antônio, um bibliotecário de meia-idade, é um corpo estranho em uma cidade do interior onde sua função é cada vez menos necessária.

Na biblioteca, sonha com épocas, pessoas e lugares inacessíveis. E relembra o início da adolescência. Não é simples alternar passado e presente, real e imaginário. Bons autores já se perderam aí.

Se funcionasse, "O Incêndio" apontaria para uma mistura de Borges com o José Donoso de "O Obsceno Pássaro da Noite", cujo narrador, um protótipo de Antônio, mescla estados de consciência de forma orgânica. Aqui, os elementos formam qualquer coisa, menos um todo orgânico. Nada se encaixa. Estilo, ritmo e andamento não convencem. Uma boa edição poderia ter evitado o pior. Há quatro problemas e básicos. ​

 
O escritor Alexandre Staut, autor de 'O Incêndio'
O escritor Alexandre Staut, autor de 'O Incêndio' - Reprodução

1) Revisão. As células eram "objetos que mal podiam ser mesurados". A mesa tinha um "tambo de madeira".

2) O excesso (ou o mau uso) das vírgulas. "Uns dizem que sou o guardião desse lugar misterioso a mim, ainda hoje, um caos, como no primeiro dia de aula, lá atrás." Marcar um ritmo lento é diferente de pôr torniquetes nas frases.

3) Todo autor inseguro evita repetições por meio do uso sistemático de sinônimos. Aqui, "caramelo" vira "doce", "bombom" e "guloseima".

4) Já a repetição desnecessária, de outra ordem, está lá. Para não restar dúvidas de que o protagonista sofria com acne, parágrafos seguidos mencionam as "espinhas", a cara "espinhuda" e os "pruridos".

Somem-se a isso citações em excesso e uma série de clichês sobre poetas. E há mais.

O erotismo é a peça mais solta. Da forma como é construída, e a sexualidade ambivalente de Antônio emerge quase como um nonsense.

Sem aviso, o narrador conta que sonhou "com a bibliotecária raspando os [seus] pelos pubianos". O sonho termina com as prateleiras desabando, enquanto ele "tentava salvar o volume que tinha nas mãos". Não diz qual. Já uma professora tem "um orgasmo na frente de dezenas de rapazotes". Estímulo: a gramática.

Qualquer professora é "mestra", palavra que, se é uma escolha duvidosa por si mesma, pode descambar para o humor involuntário ("imaginei a mestra nua").

Essa é só mais uma das centenas de escolhas questionáveis, que talvez tentem sugerir um anacronismo que não funciona. O que temos é um autor que ainda não domina a escrita de ficção.

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