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Obra de estreia, 'Legenda Erótica' se arrisca ao ir além do sadomasô light

Despudorado na trama, romance sugere, porém, pudor real da autora

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São Paulo

legenda erótica

  • Preço R$ 130 (134 págs.)
  • Autoria Luiza Pastor
  • Editora Kazuá
  • Ilustrações Paula Chimanovitch

Em um país que consome com gula a literatura pornográfica light —aquela de enredos acomodados em cima do muro e que não se resguardam na estante dos romances água-com-açúcar nem se entregam à devassidão enlouquecida de um Pedro Juan Gutiérrez—, publicar um livro que carrega nas cores do sexo, como faz Luiza Pastor em seu recém-lançado, "Legenda Erótica" pode ser, no mínimo, uma ousadia.

Ao fugir dos tons de cinza, Pastor se arrisca a escrever para ninguém. Porque, se a preferência nacional é por um sadomasoquismo comedido, o que explicaria os 30 milhões de cópias vendidas da trilogia sobre os atrevimentos do milionário Christian Grey, quem se interessaria em uma história explícita sobre dominação, sexo grupal e orgasmos que, de tão intensos, empesteiam o ar?

E, mais que se interessar, porque sempre existiremos os pervertidos punheteiros de plantão aqui disponíveis, será que haveria espaço para uma mulher que fala abertamente sobre (seu) sexo em um tempo de intenso retorno ao falso moralismo?

Luiza Pastor é paulistana, jornalista, e trabalhou em diversas Redações no Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo.

Além de escrever sobre economia e política em jornais como O Globo e Folha, também colaborou como crítica de literatura na revista Isto É. "Legenda Erótica" é seu primeiro volume solo, depois da participação em coletâneas de contos e poemas.

Sua veia de contadora de histórias fica clara na construção do livro. Não tivesse personagens teoricamente fictícios, seria uma boa reportagem sobre o universo BDSM (bondage, dominação e sadomasoquismo), que Pastor pesquisa há mais de uma década. Para quem não manja nada do tema, a publicação ajuda a matar a curiosidade sobre a dinâmica das relações.

Estão lá detalhes sobre como geralmente se inicia uma parceria entre um dominador (Mestre) e um dominado nas salas de bate-papo da internet, a estranheza dos primeiros encontros, o mecanismo das transas e seus processos de humilhação e dor, e sobre como —surpresa!— o jogo de poder também pode denotar e/ou se transformar em amor.

Há um belo contraste entre as cenas de sexo relatadas em tantos pormenores, sem pudores, e as lindas ilustrações assinadas por Paula Chimanovitch, que, além de artista plástica, também é filha de Pastor, com closes borrados de felações e traseiros arreganhados para o mundo.

É perceptível, também, certo receio (ainda que velado) da própria autora ao dar voz à personagem principal, com a qual é inevitável fazer a associação autobiográfica.

Quando teme ser desmascarada como praticante do BDSM —preferência marginalizada não só no mercado editorial mas na vida prática— e acabar "desmoralizada completamente", a narradora intelectual expõe uma paranoia injusta vivida diariamente por nós, mulheres.

Afinal, quem tem algo a ver com o que nos satisfaz na cama (e no chão, penduradas no teto, amarradas feito frangos assados)?

É esse o único pecado de Pastor em uma publicação de leitura rápida, excitante, e que talvez pudesse rever um pouco do tom de diário que às vezes adquire.

No mais, merece ir para a estante dos fãs de BDSM, dos encarcerados em uma vida sexual maçante e carente de novidades, e até mesmo dos mais pudicos leitores, que, na pior das hipóteses, podem disfarçar o elegante volume como decoração na mesa de centro, ao lado de obras das igualmente ousadas e habilidosas Hilda Hilst, Anaïs Nin e Marguerite Duras.

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