Descrição de chapéu Artes Cênicas

Peça com Matheus Nachtergaele aborda ascensão do moralismo

Idealizador de 'Molière', Renato Borghi interpreta personagem meio Bolsonaro

Matheus Nachtergaele em cena de ‘Molière’, em cartaz no Teatro do Sesi - Lenise Pinheiro/Folhapress
Nelson de Sá
São Paulo

Renato Borghi, que acaba de completar 81 anos, não para de trabalhar. Exatos seis meses atrás, estreou “O Rei da Vela”, depois “Romeu e Julieta”, que acumulou com as gravações da minissérie “Se Eu Fechar os Olhos Agora” (Globo) e os ensaios de “Molière”, que estreou nesta sexta (20) no Teatro do Sesi.

Ele é o idealizador do espetáculo, ao lado do ator Elcio Nogueira Seixas, mas desta vez não é o protagonista. “Meu personagem não é grande, é uma participação de cenas, mas ele é fundamental”, diz.
“É uma espécie de, vamos dizer, força fascista, atual. Essa coisa de querer punir as exposições, retirar peças de cartaz. Que quer estabelecer um certo moralismo, dizendo que qualquer coisa que ultrapasse certas medidas morais o artista vai preso.” Em suma, “é uma coisa meio Bolsonaro”.

O ator chama a atenção para um discurso “que é perfeito: ele fala que os artistas são os leprosos epidêmicos que procuram dissolver a sociedade francesa; que o teatro é a raiz de todo mal, a cloaca da Terra; que as atrizes são prostitutas, e os atores, sodomitas”.

Seu papel é o do arcebispo Péréfixe, que se contrapõe não só ao comediógrafo Molière, interpretado por Matheus Nachtergaele, mas ao trágico Racine de Seixas. Foi Seixas quem, ao lado de Borghi, encontrou o texto num projeto de quase um ano de ambos pela América Latina.

Escrito pela dramaturga e roteirista mexicana Sabina Berman, chamou a atenção por tratar de problemas de leitura corrente, também no Brasil. Além do moralismo em ascensão, diz Borghi, a peça aborda, por exemplo, a dependência de patrocinador.

“Racine e Molière disputam na peça o patrocínio de Luís 14”, descreve. “Quando o indivíduo perde, como o Molière perde, isso leva quase à morte. É muito grave a coisa do patrocínio para o artista.”
 

Nachtergaele vê ‘susto de uma nova censura’ no Brasil

O protagonista Matheus Nachtergaele, 50 anos “redondinhos”, vê na peça “uma fábula sobre a persistência da alegria no fazer artístico, apesar dos desmandos dos poderes, a cada momento histórico”. E “nada mais atual, neste momento”, acrescenta: “Temos vivido este susto, de uma nova censura”.

Desde “Woyzeck”, há 15 anos, não fazia teatro em grupo, “peça grande”, e por outro lado a encenação o levou a reencontrar São Paulo —ele se mudou para o Rio de Janeiro em 2002.

“Todo mundo respondeu ao chamado de Borghi e Elcio”, afirma, citando entre outros os atores Nilton Bicudo (Luís 14) e Georgette Fadel (Gonzago), “que são do meu tempo de Escola de Arte Dramática”, EAD-USP.

Seu Molière foi erguido a partir de uma frase de sua avó, conta. “Quando ela percebeu que eu era um alucinado do trabalho, ela disse —e a peça é sobre isso, no fundo— ‘Não perca a sua vida para ganhá-la.’”

Para o ator, “na fábula da Sabina, o Molière é um homem que não perde a sua vida para ganhá-la, que paga um preço por isso, mas mantém o desejo de ser mais feliz”. O Racine de Seixas, por outro lado, adapta sua poesia às exigências do poder. É ele o narrador da história.

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