bruno ghetti
São Paulo

​Desde que as denúncias dos crimes sexuais de Harvey Weinstein escandalizaram a indústria do cinema, em outubro passado, a carreira de diversos cineastas com histórico de acusações do tipo foi subitamente posta em xeque.

Roman Polanski foi um dos mais afetados: ainda hoje à sombra do estupro de uma garota de 13 anos, em 1977 (e outras acusações penas posteriores), o franco-polonês viu seu prestígio despencar.

Ironicamente, o novo filme dele, que estreia nesta quinta (12) no Brasil, é um dos filmes dele mais intensamente focados no universo feminino.

"Baseado em Fatos Reais" tem colhido ao redor do mundo desinteresse atípico na trajetória do cineasta (as críticas negativas tampouco ajudam).

A adaptação do livro homônimo de Delphine de Vigan mostra uma escritora em crise (Emmanuelle Seigner) que fica amiga de uma fã misteriosa (Eva Green).

Mas a admiradora se mostra cada vez mais obcecada pela autora, beirando a loucura. Mas é exatamente esse comportamento insano que a inspira a voltar a escrever; estabelece-se entre elas um intrigante mutualismo.

O roteiro é assinado por Polanski e pelo cineasta Olivier Assayas. Tem um quê de "Louca Obsessão" (1990, de Rob Reiner), outro de "Persona" (1966, de Ingmar Bergman), mas foi o próprio universo polanskiano a referência que viabilizou o longa.

"Quando li o livro, logo pensei em filmes como 'Repulsa ao Sexo' [1965] ou 'O Inquilino' [1976]. Mostrei o livro a ele. Achei que seria ideal", disse à Folha Emmanuelle Seigner, 51, protagonista e mulher há 29 anos de Polanski.

O novo filme mescla elementos de thriller com drama psicológico e certo humor.

"A história tem tantos níveis: é sobre criação, culpa, solidão, amor. E é sobre o duplo. Aquela mulher [a fã] existe mesmo? Ou não? É um complexo, porque brinca com o real e o imaginário. Leva em conta o fato de uma mulher usar outra como inspiração", diz Emmanuelle.

A entrevista ocorreu no Festival de Cannes de 2017 (meses antes do caso Weinstein), onde se deu a pré-estreia do filme.

Uma das condições da atriz para falar à imprensa em Cannes foi a de não abordar sua vida pessoal —e menos ainda, é claro, a do marido. Limita-se, assim, a comentar a parceria profissional com Polanski.

“Ele me conhece muito bem, temos tanta confiança um no outro. Acho que, de certa forma, trabalho melhor nos filmes dele. Vejo como uma honra. E sempre sei que o resultado será bom”, afirma. 

Ela diz ver distinção entre as personagens que interpreta nos filmes do marido e nos longas de outros diretores. 

“Nos dele, nunca fui a vítima. Mas desta vez eu sou, e preciso dizer que gostei da experiência”, diz rindo, em um provável instante de lapso das várias cenas de “Lua de Fel” (1992), sua parceria mais famosa com Polanski, em que sua personagem sofre humilhações do amante abusivo (vivido pelo ator Peter Coyote).

A atriz diz que é exatamente o modo como Polanski trata as mulheres nos filmes um dos pontos que mais fazem a atriz admirá-lo. “Ele tem toda uma sensibilidade com personagens femininas. É muito bom nisso.”

Não deve ser fácil ser casada com um alvo preferencial da militância feminista, e talvez para não falar algo que possa ser mal recebido, Emmanuelle seja tão pouco afeita a respostas longas. 

Mas quando sai das protocolares “foi ótimo” ou “o filme é complexo” (duas de suas favoritas), surpreende quem a julga oprimida ao dizer como reage às expectativas do marido. 

“Sem querer decepcionar, mas não faço as coisas só para agradá-lo”, diz. “Quer dizer, procuro agradar todo diretor com quem trabalho. Com ele é apenas igual: só não quero desapontar.”

Apesar de em geral evasiva em suas respostas, a atriz Emmanuelle Seigner transparece total segurança sobre ao menos um aspecto: leva a vida que escolheu, a despeito de pressões ou críticas. “Sou muito satisfeita com a minha vida. Sou uma pessoa feliz.”.

Veja salas e horários de exibição.

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